O novo marco legal de saneamento, aprovado em julho de 2020, foi o estopim para maiores investimentos em infraestrutura no setor, uma vez que a lei tem como meta garantir que 99% da população brasileira tenha acesso a água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto até 2033.
Até o fim do primeiro trimestre, o novo marco legal de saneamento já havia gerado cerca de R$ 72,2 bilhões em investimentos para o setor. É esperado que, até o final de 2026, as três maiores estatais de saneamento básico – Sabesp (SBSP3), de São Paulo; Sanepar (SAPR11), do Paraná; e Copasa (CSMG3), de Minas Gerais – invistam cerca de R$ 40,3 bilhões em projetos de infraestrutura.
Porém, a atual conjuntura macroeconômica de juros a dois dígitos deve ser um obstáculo para os planos de investimentos para algumas empresas. Além disso, as eleições em outubro devem impactar diretamente o desempenho futuro dessas empresas visto que são controladas pelos estados.
A taxa básica de juros, a 13,25% ao ano, torna o custo de crédito mais caro para as empresas que devem captar maiores quantidades de empréstimos para o financiamento das obras. Além disso, as despesas com juros de dívidas já existentes também aumentam.
Por outro lado, todas as três empresas apresentam despesas operacionais saudáveis, uma vez que o setor é menos sensível à variação da inflação. Isto porque a receita do setor é reajustada periodicamente, de acordo com os custos operacionais dos negócios, sem que haja redução no volume de vendas.
Sabesp (SBSP3)
A Sabesp, responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgoto no estado de São Paulo, já tem traçado os planos para investimentos ao longo dos próximos quatro anos, em busca de atingir as metas do novo Marco Legal.
Até 2026, a empresa espera cobrir 98% ou mais para o fornecimento de água — até o final de 2021 era de 92%. A empresa deve investir cerca de R$ 23,8 bilhões durante o período, dinheiro que será destinado tanto para o fornecimento de água quanto para a coleta de esgoto.
Porém, o aumento da taxa básica de juros (Selic) pode ser uma pedra no caminho. A elevação da Selic se reflete em um aumento nas despesas com juros e, consequentemente, a empresa tem que utilizar maiores quantidades de caixa para pagar as despesas de empréstimos e financiamentos.
Só no primeiro trimestre deste ano, a empresa desembolsou R$ 347 milhões em pagamentos de juros, 78,1% a mais do que no primeiro trimestre de 2021.
Apesar das despesas maiores com juros, a empresa ainda reportou um caixa saudável de R$ 491 milhões no primeiro trimestre, embora R$ 226 milhões menor do que o que foi registrado no fechamento do trimestre anterior.
O caixa só ficou positivo, porém, porque a empresa captou R$ 1 bilhão em novas dívidas no primeiro trimestre. Com o crescimento da dívida total e redução do caixa, a dívida líquida da empresa avançou 5% em comparação com primeiro trimestre de 2021.
A dívida líquida da empresa é 2,2 vezes maior do que a capacidade de gerar caixa com as principais atividades (Dívida Líquida/Ebitda), o que a torna a empresa mais alavancada entre as estatais mencionadas no texto.
A Copasa apresentou alavancagem de 1,9 vez, enquanto a Sanepar registrou uma alavancagem de 1,3 vez. A maior alavancagem da Sabesp representa uma maior necessidade de queimar caixa em pagamento de juros, o que deve incomodar os planos de investimento.
Tanto é que no primeiro trimestre a empresa reduziu os investimentos em infraestrutura em 16%, em comparação com mesmo período de 2021. A empresa, portanto, deve reduzir os investimentos ao longo do ano em busca de equilibrar os custos das atividades operacionais da empresa e das despesas com juros.
Isso não quer dizer que a companhia vá deixar de lado as metas do novo marco legal. Ainda haverá espaço para investimentos, porém em menor quantidade. Em maio, por exemplo, a empresa captou mais R$ 1,2 bilhão em novas dívidas para investir na despoluição dos rios Tietê e Pinheiros.
Além disso, a Sabesp já flerta com a privatização desde 2017, que pode ser que saia do papel a depender do grupo político que for eleito para o governo do estado em 2022.
De acordo com a mais recente pesquisa feita pelo Datafolha, divulgada no dia 30 de junho, o candidato Fernando Haddad (PT) está na frente dos demais concorrentes, com 28% das intenções de votos. Em segundo lugar está Márcio França (PSB), com 16% das intenções de votos, seguido por Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 12% e, logo atrás, está Rodrigo Garcia (PSDB), com 10%.
Sanepar (SAPR11)
A companhia de saneamento do Paraná, a Sanepar, é uma empresa que presta serviços de saneamento básico em 345 dos 399 municípios do Paraná, além de Porto União, município do estado de Santa Catarina.
O caminho da empresa para atingir as metas do novo marco legal de saneamento está traçado. A empresa espera investir até 2026 cerca de R$ 9 bilhões com maior foco em tratamento de esgoto, devido à menor cobertura atual.
Até 2021 a empresa já cobria 100% na distribuição de água tratada. Porém, a cobertura da coleta de esgoto, cujo objetivo é levar os resíduos do esgoto para longe das residências, era menor, de 77,5%.
No primeiro trimestre a empresa investiu 36% a mais do que em igual período de 2021, sendo que houve um aumento de 60% em investimentos voltados para coleta de esgoto.
Isto foi possível com a melhor eficiência da empresa em gerar caixa. No primeiro trimestre, a empresa gerou R$ 486,2 milhões para o caixa apenas com as principais atividades do negócio, um valor 41,2% superior em comparação com mesmo período de 2021.
Este aumento de caixa foi possível por três fatores: revisão tarifária, que aumentou 5,7% nas tarifas de água e esgoto; crescimento dos volumes faturados; e aumento do número de ligações — em maio de 2022 houve outro reajuste de 5%, o que deve impulsionar as receitas da empresa ao longo do ano.
Com isso, houve um incremento no caixa da empresa de R$ 607 milhões, para R$ 1,59 bilhão, no primeiro trimestre, em comparação ao caixa referente ao trimestre imediatamente anterior.
Isto permite que a empresa apresente uma capacidade de solvência acima da média. Para se ter uma ideia, só com o caixa do primeiro trimestre da empresa seria possível pagar todas as obrigações e dívidas de curto prazo e ainda sobraria uma parte para investimentos e acionistas.
A forte geração de caixa permitiu que a empresa elevasse a margem líquida em 0,6 p.p., para 20,7%, mesmo que as despesas com juros da empresa tenham crescido 61% em comparação com mesmo período de 2021.
Portanto, a alta taxa de juros não foi suficiente para abalar os resultados da Sanepar no primeiro semestre. Além disso, após o novo reajuste de 5% em maio, a empresa deve seguir com os planos de maiores investimentos em infraestrutura focadas na coleta de esgoto.
Copasa (CSMG3)
A Copasa, junto com sua controlada Copanor, é responsável por oferecer saneamento básico para municípios do estado de Minas Gerais. A empresa, que opera em 640 municípios com concessões de água e em 340 com concessões de esgoto, deve reduzir o portfólio ao longo do ano.
Isso deve acontecer devido a restrições impostas no novo marco legal, que exige garantias financeiras para a empresa que adquira uma concessão, e a Copanor não atingiu as exigências da lei, tornando os contratos irregulares.
Embora haja uma redução no portfólio, a empresa deve investir cerca de R$ 1,4 bilhão ao longo do ano, dos quais R$ 47,5 milhões serão direcionados para Copanor.
Estes investimentos devem ser voltados para melhoria de serviços e infraestrutura em municípios já atendidos pela empresa. Porém, em entrevista ao Valor Econômico, na semana passada, o novo presidente da companhia, Guilherme Duarte, indicou que a empresa não investe tanto quanto gostaria nos contratos atuais.
Embora o investimento planejado seja de R$ 1,4 bilhão em 2022, a avaliação da empresa é de que seja necessário R$ 1,8 bilhão para atingir as metas do novo marco legal, que prevê a universalização até 2033.
A projeção de investimentos de 2022 até 2026 é de cerca de R$ 7,5 bilhões, montante que pode ser alterado pelo novo presidente da empresa, que teve seu nome aprovado pelo conselho de administração na última sexta-feira (24) do mês de junho.
Embora as projeções sejam otimistas, a mudança na gestão da empresa deve alterar os rumos. Segundo o presidente da empresa, o foco deve ser em investimentos para melhorias de contratos já existentes e prezar por aqueles que geram maior retorno.
Ao longo do ano, portanto, deve haver uma queda nos investimentos, o que pode acabar sendo benéfico para empresa, que pode equilibrar os custos, uma vez que a companhia apresentou um caixa deficitário no primeiro trimestre deste ano.
A empresa gerou R$ 106 milhões em caixa, valor 80% inferior ao gerado no primeiro trimestre de 2021. Porém, o caixa gerado pelos principais negócios da empresa não foi suficiente para arcar com os gastos em investimentos e financiamentos.
Portanto, a empresa gastou mais caixa do que gerou no primeiro trimestre, muito influenciada por maiores gastos operacionais. A empresa fechou o trimestre com uma caixa de R$ 783 milhões, após registrar saída de R$ 220 milhões.
No entanto, este caixa é suficiente para manter as principais operações da empresa por cerca de sete meses, em cálculo baseado nos custos acumulados em 12 meses até fim do primeiro trimestre, o que dá à empresa maior liberdade para novos investimentos.
Além disso, a empresa apresenta maiores quantidades de créditos do que débitos no curto prazo, o que demonstra que a empresa é capaz de manter suas operações sem a necessidade de capitais de terceiros.
Em relação a despesas financeiras, a empresa teve um acréscimo de 34% motivado pelo aumento da taxa DI e da inflação, dado que 25% das dívidas da empresa são indexadas no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Mas, ao analisar a capacidade de solvência da empresa, o crescimento dos juros não seria suficiente para comprometer os planos de investimento da empresa. A empresa seria capaz de pagar todas as despesas com juros por um ano apenas com o Ebitda, de R$ 445 milhões, reportado no primeiro trimestre, caso os indicadores se mantivessem estáveis em todos períodos.
Portanto, a alta dos juros, não deve atrapalhar os planos de investimentos da empresa. Entretanto, a nova gestão e as eleições em outubro serão cruciais para a continuidade dos projetos.