Entrevista com a diretora-executiva do Ecoporto Praia Norte, Sandra Kramer, sobre o primeiro porto fluvial do Estado do Tocantins
Com o objetivo de ligar estrategicamente o Estado do Tocantins ao Atlântico, por meio de seu sistema hidroviário, proporcionar a industrialização da região do Bico do Papagaio, renovar a logística da Zona Franca de Manaus, Amazonas, e o entreposto no Tocantins, e contribuir com a população que vive na região e com o meio ambiente, foi fundada, em 2010, a Estação de Transbordo de Carga Ecoporto Praia Norte, na margem esquerda do Rio Tocantins, a cerca de 600 km de distância de Palmas.
Com uma área aproximada de 750 mil m², o primeiro porto fluvial do Estado do Tocantins será uma plataforma logística multimodal e terá o papel de gerar um novo fluxo logístico no País, incluindo commodities do centro do Brasil em direção aos portos de Belém, Pará, produtos acabados da Zona Franca de Manaus para o Nordeste, Sul e Sudeste, e desencadeará a extensão da hidrovia Manaus-Belém.
Para explicar sobre o empreendimento, a MundoLogística entrevistou a diretora-executiva do Ecoporto Praia Norte, Sandra Kramer, que é formada em Administração de Empresas e atua na área de logística desde 2000, ingressando no Ecoporto em 2007, quando operava Manaus e Belém.
MUNDOLOGÍSTICA: O Ecoporto Praia Norte é o primeiro porto fluvial do Estado do Tocantins. Como está estruturado esse empreendimento?
SANDRA KRAMER: Em 2007, foi realizado um estudo de viabilidade, a pedido do governo do Estado do Tocantins, para a implantação de uma plataforma. Tocantins sempre foi rota logística, mas as carretas apenas passavam pelo Estado. Viabilizamos, então, a cidade onde se poderia construir o porto fluvial, que é Praia Norte, que margeia o Rio Tocantins, cuja acessibilidade facilita a navegação. Esse rio possui muitas hidrelétricas sem eclusas, a única hidrelétrica com eclusa é em Tucuruí, que, na época em que fizemos o estudo, ainda estava sendo construída essa eclusa, com previsão de terminar em 2010, e foi o que aconteceu. Neste mesmo ano, fizemos um acordo com o Governo Estadual para a instalação desse empreendimento, que nos deu total apoio. Passamos por um processo de três anos de licenciamento ambiental e, atualmente, estamos na fase de implantação, para que, em 2016, comecem as primeiras cargas. Adequamos o porto às normatizações da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e da Secretaria de Portos (SEP) e, em agosto do ano passado, saiu a nossa adesão para a primeira estação de transbordo de carga, regularizada pela Antaq, no Estado do Tocantins. O Ecoporto possui uma área de cerca de 750 mil m², com espaço para atuar com carga geral e commodities. Já foi construído todo o arruamento, conforme um loteamento industrial com asfalto, instalada uma rampa, que é para carga geral, a balança e a portaria. No mês de maio, que acaba o período chuvoso, entraremos com a parte de silos e o atracadouro para a soja, uma vez que fomos procurados por muitas empresas da área de exportação de grãos, devido à necessidade de ter um porto nessa região de soja. Além disso, o Ecoporto está estrategicamente bem localizado, para não ter todo aquele fluxo de caminhões, visto que chegando de balsa, o transbordo é mais rápido para o navio, sem muita complicação, como o rodoviário.
Depois desse processo, será agregado algo mais à infraestutura do porto?
O porto nunca para de ser construído. Como é uma área grande, começaremos a ter commodities de soja para viabilizá-lo, uma vez que há um problema na hidrovia, em função do Pedral do Lourenço [conjunto de pedras, que se estende por quase 43 km ao longo do rio Tocantins], por isso, navegaremos de seis a oito meses no ano, que coincide com a época da safra da soja. Acreditamos que, em cinco anos, o governo consiga resolver essa questão do Pedral, a partir do momento que começarmos a navegar no rio Tocantins. Pelas nossas conversas com a Antaq e com o ministro dos Transportes, na época, para viabilizar 100% o Pedral, é preciso que haja navegação comercial. O Pedral está orçado em R$ 500 milhões. Entretanto, ao longo desses próximos cinco anos, será viabilizado o Pedral do Lourenço, mediante a força da nossa navegação. O Ecoporto é uma sociedade anônima e seus acionistas não têm interesse em colocar infraestrutura, como armazéns e galpões, mas serviços portuários, pois visa ser como um porto público, que administra e tem as empresas privadas que colocam os seus empreendimentos e fazem contrato de arrendamento, para operar no porto. Diante disso, estamos na busca de um parceiro do segmento de soja para operar o terminal, que terá o ganho da movimentação da soja e pagará um aluguel de arrendamento, operando no porto com contrato de cerca de 20 anos ou mais. Temos cálculos de rentabilidade altíssimos nesse setor de soja, de 75% a 80%.
Quanto investimento foi e ainda será necessário?
Cerca de R$ 30 milhões já foram investidos e o porto já pode operar com a estrutura que possui atualmente. Os outros investimentos dependerão do que será ainda instalado no porto. O Estado do Tocantins tem a intenção de colocar um entreposto da Zona Franca de Manaus em Praia Norte, que seria uma extensão da Zona Franca no Estado para a armazenagem dos produtos, com custos mais baratos pelo metro quadrado, uma vez que o custo de locação e armazenagem em Manaus é altíssimo. Além disso, em Tocantins, ganha-se de sete a oito dias para chegar ao cliente. Se o pedido sai para Manaus, tem de sete a oito dias de balsa para chegar em Belém e, depois, mais três dias de rodoviário para São Paulo, por exemplo. A partir do momento que ele sai de Praia Norte, só tem esses dois a três dias de rodoviário, porque o fluvial já foi feito e está armazenado na região.
Quais os diferenciais que esse porto apresentará?
É o primeiro porto de Tocantins, localizado na região do Matopipa (Maranhão, Tocantins, Piauí e Pará), com uma nova modalidade de trabalhar com a expectativa de crescimento gradual. Não queremos iniciar o porto com a sua carga máxima, na hidrovia, mas gradativamente, quebrando fronteiras e sendo pioneiros. O Ecoporto quer inovar a logística, hoje, no Brasil, principalmente, na commodityagrícola.
Quais os benefícios e as facilidades que o porto proporcionará?
A região onde o porto está instalado se chama Bico do Papagaio e é muito pobre, na qual a população vive em extrema miséria. Não há outras empresas para as pessoas trabalharem, então, elas acabam vivendo da agricultura familiar e da pesca. Criamos uma associação, chamada Pequeno Marinheiro, e treinaremos essas pessoas. Como o porto é prestador de serviços, isso fortalece o município e, para o Estado, que tem aquela região como um passivo, a logística a movimentará. Com a chegada de um porto, indústrias, empresas, hotéis, borracharias, restaurantes, oficinas mecânicas, postos de combustível, supermercados e outros começam a se instalar na região, chegando, assim, o desenvolvimento. Além disso, as empresas que vierem conosco agora, no início de instalação do porto, e tiverem a paciência de navegarem, nos próximos cinco anos, apenas de seis a oito meses, proporcionaremos a facilidade de trabalhar em conjunto, auxiliaremos a ter um melhor desempenho dentro do Ecoporto, com facilidades de negociação com as áreas e algumas bonificações. Se o governo não abrir o Pedral em cinco anos, nós mesmos faremos algo para mudar essa situação, pois já teremos receita no porto, que dará a abertura para uma Parceria Público-Privada (PPP). O Ecoporto tem a vantagem do benefício, que foi feito pelo Estado, chamado Lei Prologística, que é a isenção reduzida do custo do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) sobre a tributação do frete para todas as cargas que saírem de Tocantins.
Quais os tipos de embarcações que serão autorizados nesse porto?
A princípio, trabalharemos com as embarcações que já estão no mercado em Tocantins e algumas em Belém. Se for carga geral, utilizaremos a Ro-Ro, que faz Manaus-Belém, com caminhões em cima da balsa, e se for carga de soja, as graneleiras, que têm algumas em Belém e outras em Marabá, Pará, que transportam minério, mas podemos adaptar para a soja. A empresa é composta por acionistas alemães e holandeses, e tem barcaças chatas disponíveis na Europa e que são excelentes para operar no Rio Tocantins, uma vez que tem um calado pequeno, mas o processo de importação dessas balsas e arrendamento está muito oneroso e burocrático. Então, queremos junto à senadora Kátia Abreu, que converse com o ministro dos Transportes e a Marinha, para ver como conseguiremos trazer essas barcaças e quebrar um pouco esse monopólio do Brasil, pois fica muito caro construir no País. Uma parte do grupo já adquiriu uma empresa com bandeira brasileira de navegação, que está licenciada, para fazer a aquisição dessas barcaças que estão onerosas na Europa.
Quando o empreendimento será concluído?
A primeira fase do Ecoporto será encerrada em março, que é a portaria, a balança, a rampa de atracação, o arruamento interno, a estrutura elétrica e o condomínio. A partir de maio, que acaba a época chuvosa, partiremos para a estrutura de grãos e carga geral, por isso estamos buscando parceiros, que saibam trabalhar nesse segmento, para construir a infraestrutura necessária para isso. Se não conseguirmos um parceiro, teremos de treinar pessoas e operar. Em dezembro, essa estrutura já deverá estar pronta.
Com relação às questões ambientais, quais os cuidados que o Ecoporto teve?
Fizemos o licenciamento ambiental maior que existe, atualmente, que se chama Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). O porto já está 100% licenciado e queremos trabalhar a questão ambiental com todos, seja na questão do lixo, resíduos sólidos, entre outras. Um dos benefícios é que a rampa foi construída com coleta de óleo. Se a balsa tiver um vazamento ou de um veículo que está operando na balsa, temos um plano de emergência para óleo. Deixamos, também, uma área dentro do porto de cerca de 20% de proteção ambiental, com fontes de água, árvores nativas e pensamos em, futuramente, fazer um parque interno, que é o pulmão do porto. É um porto 100% ambiental.
Quais as perspectivas futuras para o porto?
Nós queremos fazer tudo com os ‘pés no chão’ e sabemos que estamos em um momento de recessão, apesar de a logística nunca entrar em crise, mas, mesmo assim, somos muito cautelosos, vendo como está a tendência do Brasil. Se o País der uma deslanchada daqui a seis meses, colocaremos o porto a todo gás. Porém, se o mercado brasileiro responder um pouco mais lento, não poderemos fazer grandes investimentos sem ter retorno, porque ficam ociosos os equipamentos, uma vez que esses equipamentos têm valores astronômicos.