Por: ISADORA COHEN, EDUARDO SCHUTT e FELIPE GURMAN SCHWARTZ
Imagem: Estação Sé do Metrô de São Paulo. Crédito: CMSP
O debate sobre a concessão de serviços públicos definitivamente saiu dos meios acadêmicos e das mesas de governo e virou tema de debates cotidianos nas principais cidades brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, a concessão dos serviços metroferroviários e a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) têm sido a motivação das recentes greves que paralisaram a capital paulista, como a do último dia 28.
Justamente por ter virado tema do cotidiano, o debate acerca da concessão versus provisão direta de serviços públicos tem sido tema constante de reportagens e notícias, que tentam traduzir temas e conceitos complexos para o grande público. Uma dessas reportagens repercutiu nos debates onlines na última semana. Uma matéria do portal UOL, exclusiva para assinantes, informou que as “Linhas privadas ganham 4 vezes mais, mas transportam menos que Metrô e CPTM”.
A constatação é feita a partir de um cálculo que contrasta os valores distribuídos pela câmara de compensação, conhecida pelo nome de clearing, que centraliza a arrecadação do transporte coletivo na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), às concessionárias e aos operadores estatais (Metrô e CPTM). A afirmação está correta. No entanto, a depender da interpretação, ela pode nos levar a conclusões equivocadas, criando uma confusão entre conceitos relativamente simples como receitas e custos.
A questão central neste debate é: qual o custo de se transportar passageiros por linhas concedidas vis-a-vis linhas operadas diretamente pelo Metrô e pela CPTM? Enquanto o título da reportagem em questão trata de receitas, para responder esta pergunta precisamos: (i) verificar qual o custo total das viagens realizadas pelos operadores estatais e pelos operadores privados e (ii) dividir pelo número de viagens realizadas em cada linha, a fim de manter algum grau de proporcionalidade e comparabilidade.
Cumpre mencionar que é possível obter facilmente esse dado para as linhas concedidas, uma vez que a forma de remuneração destas se dá por uma tarifa fixa paga por ingressante no sistema, em um valor fixado contratualmente. Já para Metrô e CPTM, que não divulgam custos e despesas desagregadas por linhas, é possível apenas obter um custo médio das viagens realizadas a partir do somatório do custo do serviço prestado acrescido das despesas administrativas.
Como já mencionado, a apuração dos custos efetivos de cada viagem realizada nas linhas concedidas exige um cálculo relativamente simples, bastando verificar o total repassado pela clearing para cada operador e dividir pelo número de viagens realizadas.
Já para obter o custo das viagens realizadas por Metrô e CPTM, devemos computar o custo do serviço prestado e somar às despesas administrativas, uma vez que essas rubricas representam praticamente a totalidade do custo de operação desses sistemas, independentemente da fonte de receita. Isto se justifica porque, além dos repasses da clearing, os operadores estatais recebem ressarcimento de gratuidades, tem seu prejuízo coberto pelo seu principal acionista (a Fazenda do Estado de São Paulo) e firmaram, no final de 2022, um acordo para recomposição tarifária, recebendo aportes adicionais da Fazenda.
Ou seja, além do que os usuários pagam através do repasse da câmara de compensação, um valor significativo é aportado pela Fazenda do Estado para manter as empresas operantes.
Colocando em prática a metodologia de apuração de custos dos diferentes serviços e obtendo o valor médio da viagem realizado por aquela empresa ou linha, temos os seguintes resultados: o custo médio das viagens[3] realizadas pelas linhas concedidas em 2022 é de R$ 3,93, enquanto para as linhas operadas pelo Metrô e CPTM o valor é R$ 4,77.
Seria injusto e incorreto encerrar por aqui esse complexo tópico afirmando que as concessões fornecem um serviço mais eficiente e ponto final. Diversos aspectos como nível de serviço, grau de ociosidade, intervalo entre trens, idade e tamanho da infraestrutura operada, atualidade dos equipamentos empregados na operação, indicadores de falhas operacionais, entre outros, devem ser levados em consideração para buscarmos uma conclusão mais robusta sobre esse tema.
É fato que as linhas concedidas são relativamente mais novas, contando com infraestrutura mais moderna e barata de manter. Mas é também fato que essas tarifas de remuneração dos operadores privados remuneram, além da operação, investimentos bilionários, em especial nas linhas 4, 8 e 9, enquanto os investimentos realizados pelo Metrô e CPTM são direta ou indiretamente cobertos por aportes adicionais da Fazenda do Estado, como é o caso da expansão da linha 2-verde.
Neste debate a respeito da sustentabilidade do sistema de transporte sobre trilhos é imprescindível mencionar que, na grande maioria dos casos, a cobertura tarifária dos custos do transporte público é insuficiente, sejam eles operados por estatais ou parceiros privados. Isso não apenas no Brasil, destaca-se. São poucos os sistemas superavitários, sendo o caso mais famoso o metrô de Hong Kong, operado pela MTR Corporation, que desenvolve seus negócios de forma inovadora, aliando a operação de trens com o desenvolvimento imobiliário.[7]
Até por isso, diferentes sistemas de transporte sobre trilhos pelo mundo têm buscado novas e diferentes formas de receitas acessórias e de novos negócios, agregando soluções inovadoras e oferecendo uma nova gama de serviços ao usuário.
Os sistemas de transportes serem deficitários não é necessariamente um problema. Como sempre indaga Sergio Avelleda, um grande especialista e executivo do setor: se o transporte público beneficia a todos, por que apenas o usuário deve pagar? Essa provocação é chave para refletirmos sobre as externalidades positivas que os sistemas de transporte oferecem para toda a sociedade, sobre as alternativas de financiamento do sistema e os modais de transporte priorizados pelo orçamento público. Conforme já mencionado neste espaço, subsídios podem ser benéficos e, para isso, o desafio da administração pública é continuamente avaliá-los a fim de verificar se as externalidades justificam sua manutenção, com o objetivo de aprimorar progressivamente a alocação de recursos.
[3] Esclarece-se que os dados utilizados nos cálculos foram extraídos de bases públicas, como relatórios contábeis das empresas mencionadas e portais de transparência, e o custo de passageiro transportado por cada linha ou empresa foi obtido a partir de uma metodologia mencionada no texto que estima o custo total, que, posteriormente, é dividido pela quantidade de passageiros transportados pela linha ou empresa para se chegar ao valor da viagem.
[4] Relatório Integrado do Metrô 2022, p. 41
[5] Relatório Integrado do Metrô 2022, p. 343.
[6] Demonstrações Contábeis de 2022, CPTM, p. 7
[7] Neste caso, a receita tarifária responde por apenas 60% da receita total, enquanto o resto é advindo dos negócios imobiliários e aluguel de espaço para lojas e publicidade (MTR Sustainability Report 2022, p. 4).
ISADORA COHEN – Sócia da ICO Consultoria. Foi secretária-executiva de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, secretária do Programa de Desestatização e responsável pela Unidade de PPP do Estado de São Paulo. Fundadora e apresentadora do Infracast. Presidente Infra Women Brazil (2020-2022). Professora do MBA LSE FESP. Pesquisadora da FIPE
EDUARDO SCHUTT – Bacharel em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas. Foi assessor na Subsecretaria de Parcerias do Estado de São Paulo e analista na ICO Consultoria. Atualmente é Coordenador de Operações de Blended Finance no Blend Group
FELIPE GURMAN SCHWARTZ – Advogado pela FGV Direito SP e bacharel em Administração Pública pela FGV-EAESP. Foi assessor técnico na Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo (2022-2023). É fundador e diretor do cursinho popular Romã. Consultor pela Consultoria Júnior Pública da FGV-SP