[foto: Andrea Mendonça, Renato Muzzolon Jr. e Rosangela Xavier de Campos]
Por Andrea Mendonça, Renato Muzzolon Jr. e Rosangela Xavier de Campos
O bairro onde mora uma família é alagado por uma chuva na madrugada, deixando moradores desabrigados e desesperados. Na manhã seguinte, uma dessas pessoas, que trabalha como motorista para outra família privilegiada, escuta a passageira comentando que a chuva foi uma bênção, que deixou o céu azul e o ar mais puro. A cena icônica do filme sul-coreano Parasita, ganhador do Oscar, é um resumo perfeito do problema que apontamos quando falamos de justiça climática.
A expressão em si não é uma novidade — foi reconhecida no Acordo de Paris, em 2015 — mas só tem ganhado a atenção merecida nos últimos anos, quando finalmente virou assunto obrigatório nas edições das Conferência das Partes (COP) das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Durante os encontros, líderes de países têm reconhecido o fato de que a porcentagem mais rica da população mundial poluiu muito mais que a mais pobre, que, por sua vez, é a mais vulnerável aos efeitos da crise climática.
Trazendo a discussão para o Brasil, a lógica é a mesma. As pessoas que vivem e trabalham em situação de vulnerabilidade, são as que mais sofrem os impactos das mudanças climáticas e também as com menor poder de decisão sobre as atividades que continuam a emitir carbono. Essas pessoas são maioria, tanto nas áreas urbanas quanto rurais, e muitas delas nem sabem o que quer dizer justiça ambiental ou o que pode ser feito para combater a crise climática e seus efeitos. É importante destacar que, por aqui, essa expressão anda junto com outra: racismo ambiental. Falar disso não é ativismo, é reconhecer uma realidade decorrente de fatores históricos. Um estudo do Instituto Pólis mostra que as populações que mais sofrem com as consequências do aumento de eventos extremos, como as chuvas fortes, são pessoas negras. Segundo o mesmo estudo, na cidade de São Paulo, por exemplo, 37% da população é negra, mas esse número sobe para 55% nas áreas com risco de deslizamento.
Os tomadores de decisão já têm à disposição informações para fazer algo sobre isso. Um exemplo é o mapa de conflitos de injustiça ambiental e de saúde no Brasil. Organizado pela Fiocruz, a plataforma mostra onde estão as populações mais vulneráveis e quais são as atividades geradoras de conflitos. Entre elas, várias áreas de atuação das Engenharias, Agronomia e Geociências. Os profissionais da área tecnológica, portanto, são atores estratégicos para lidar com o problema e o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP) tem incentivado esse debate.
Um bom começo é trabalhar para fazer valer quatro importantes políticas públicas que já existem: Política Nacional de Resíduos Sólidos, Política Nacional do Meio Ambiente, Política Nacional sobre Mudança do Clima e Política Nacional de Recursos Hídricos. Diante dessas bases formais, os profissionais devem planejar, projetar e executar qualquer obra respeitando o que preconizam essas leis, que trazem normas para proteger as populações mais vulneráveis. Além disso, a área tecnológica possui expertise suficiente para trabalhar junto com o poder público, participando efetivamente da construção e operacionalização dos planos diretores, conforme determina a Constituição de 1988 para todas as cidades com mais de 20 mil habitantes. Entre as diretrizes de um plano como esse devem estar a justiça social, o uso racional de recursos naturais, a participação social e a melhoria da qualidade de vida de quem vive nas cidades. Um plano diretor é uma cidade planejada e isso é estratégico, já que a expectativa, segundo a ONU, é de que, até 2050, cerca de 70% da população mundial viva em espaços urbanos.
Além disso, os planos de gerenciamento de riscos, previstos para a autorização de grandes obras de infraestrutura, precisam ser respeitados, situações em que os engenheiros ambientais têm papel fundamental, como atores atentos para fazer com que essas políticas sejam validadas e executadas. Historicamente no Brasil, algumas etapas nem sempre são atendidas e os efeitos estão sendo sentidos em vários exemplos de injustiça climática pelo território. O papel da engenharia é o cuidado, o reconhecimento da necessidade de trabalhar multidisciplinarmente, de ouvir os outros profissionais e compartilhar conhecimentos.
Descarbonizar é preciso, mas não basta. É preciso olhar para as desigualdades sociais, inclusive no que diz respeito ao acesso a soluções “verdes”. Um carro elétrico, por exemplo, custa mais caro que um veículo comum. As cidades inteligentes não são apenas tecnológicas, mas sim aquelas com as melhores soluções para resolver os problemas das pessoas que nelas vivem, o que inclui soluções de mobilidade para todos e acesso a serviços básicos de saúde, educação, saneamento e coleta seletiva. Um dos pilares da área tecnológica é levar qualidade de vida para as pessoas e isso tem tudo a ver com justiça climática.
Os autores: Andrea Mendonça é fundadora do ESG Lab.Real, Conselheira, Mentora e Empreendedora de Impacto Social; Renato Muzzolon Jr. é engenheiro ambiental e Presidente do Instituto Renato Muzzolon (IRMZ); e Rosangela Xavier de Campos é especialista em Direito Ambiental e Engenheira Ambiental Sanitarista. Eles participaram juntos do grupo de trabalho sobre justiça ambiental durante o 5º Encontro Paulista de Engenharia Ambiental (EPEA), promovido pelo Crea-SP.