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Nova fase da matéria desafia mecânica estatística e entusiasma computação quântica

Inovação Tecnológica - 30 de setembro de 2024 80 Visualizações
Nova fase da matéria desafia mecânica estatística e entusiasma computação quântica

Diagrama do experimento e visualização do vidro de Bose 2D.
[Imagem: Jr-Chiun Yu et al. - 10.1038/s41586-024-07875-2]

Ergódico

Físicos criaram uma nova fase da matéria que desafia a mecânica estatística.

A mecânica estatística é o ramo da física que estuda o comportamento de gases, líquidos e sólidos a partir do comportamento das suas partículas constituintes, como átomos e moléculas. Em vez de analisar cada partícula individualmente, a mecânica estatística usa métodos probabilísticos para descrever o comportamento médio de um grande número dessas partículas.

Isso simplifica significativamente os cálculos porque o sistema macroscópico como um todo sempre relaxará em um estado térmico no qual apenas a temperatura é importante, com a maioria dos outros detalhes deixando de importar. Esse comportamento é chamado de ergódico e forma a base da mecânica estatística - um sistema ergódico é aquele no qual, dado um tempo suficientemente longo, uma partícula irá visitar praticamente todos os pontos do espaço de fase acessíveis a ela.

Este é um dos pilares de como entendemos a matéria, e continuará sendo, pelo menos até que tenhamos disponíveis simuladores quânticos capazes de checar todos os detalhes de cada partícula, deixando as "médias" de lado para estudar as individualidades.

Vidro de Bose

Mas as coisas não se mostraram tão comportadas quando Yu Jr-Chiun e colegas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, criaram uma versão bidimensional de um material conhecido como vidro de Bose.

Exemplo de um ladrilho de Penrose.
[Imagem: Many-body Quantum Dynamics Lab / Cavendish Laboratory]

Qubits que não perdem dados

Como um sistema localizado não se mistura com seu entorno, informações quânticas armazenadas em um sistema localizado seriam preservadas por muito mais tempo, resolvendo um dos grandes gargalos de todas as tecnologias quânticas, incluindo acomputação quântica, cujos qubits têm a péssima mania de se deixarem influenciar por qualquer coisa ao se redor, perdendo os dados.

"A localização não é apenas um dos problemas mais difíceis de resolver na mecânica estatística, mas também pode ajudar a avançar a computação quântica," disse o professor Ulrich Schneider.

E o fato de terem desenvolvido uma técnica que permitiu sintetizar um vidro de Bose 2D é essencial para tirar proveito dessa possibilidade.

"Uma grande limitação dos grandes sistemas quânticos é que não podemos modelá-los em computador," disse Schneider. "Para descrever o sistema com precisão, temos que considerar todas as suas partículas e todas as suas configurações possíveis, um número que cresce muito rapidamente. No entanto, agora temos um exemplo 2D da vida real que podemos estudar diretamente e observar sua dinâmica e sua estatística."

Superfluidez, supercondutividade e mais

Para criar essa nova fase da matéria, a equipe sobrepôs vários feixes de laser para criar um padrão quasiperiódico, um padrão que é ordenado como um cristal convencional, mas não periódico, o que significa que, como umladrilho de Penrose, ele nunca se repete. Ao preencher essa matriz de luz com átomos resfriados a temperaturas de nanokelvin - perto do zero absoluto -, os átomos formaram o vidro de Bose.


A paisagem quase-periódica na qual o vidro Bose se forma, lembrando um ladrilho de Penrose.
[Imagem: Many-body Quantum Dynamics Lab/Cavendish Laboratory]

E o experimento apresentou uma transição de fase surpreendentemente nítida, passando de um vidro de Bose para um superfluido, de modo parecido com o gelo derretendo quando a temperatura aumenta. "Um superfluido é um fluido que flui sem nenhuma resistência," explicou o professor Bo Song. "Imagine partículas nadando através de um superfluido; não haveria atrito, e o fluido não as desaceleraria. Essa propriedade, chamada superfluidez, está intimamente relacionada à supercondutividade. Junto com outra fase quântica, o isolante de Mott, o vidro de Bose observado e o superfluido compõem os estados fundamentais do modelo de Bose-Hubbard, que descreve a física dos bósons em sistemas interativos e desordenados."

Vidros de Bose e superfluidos são fases distintas da matéria, como gelo e água líquida. No entanto, como cubos de gelo em um copo de água, os átomos desse vidro podem formar ambas as fases dentro do mesmo experimento. Os resultados experimentais, confirmando previsões teóricas recentes, revelam como o vidro de Bose se forma e evolui, de modo que agora os cientistas podem começar a pensar em aplicações para ele.

"Tal material oferece muitas possibilidades novas, não apenas para estudos fundamentais, mas também para a construção de computadores quânticos, já que as informações quânticas armazenadas em tal sistema permaneceriam mais locais e não vazariam para o ambiente, um processo chamado 'decoerência', que assola muitas plataformas atuais de computação quântica," concluiu Jr-Chiun.