Alto custo dos transportes impulsiona busca por alternativas às rodovias
A alta dos custos dos transportes obrigou a indústria, o varejo e o agronegócio a investir em alternativas de distribuição dos produtos fora das rodovias. Ao mesmo tempo, as transportadoras buscam ganhos de eficiência para reduzir as tarifas.
Nos próximos anos, o uso de múltiplos modais continuará a crescer, o que exigirá do governo um melhor planejamento da logística e uma parceria mais estreita com o setor privado.
A Camil optou pela cabotagem para levar o arroz produzido no Rio Grande do Sul até os portos de Recife, Fortaleza e Salvador. Não é nenhuma novidade para a empresa: desde 2001, quando a cabotagem voltou a crescer, a Camil utiliza o sistema.
E cada vez mais. Atualmente a cabotagem transporta 10% do volume total de arroz. “Quando falamos em transferências entre filiais, o que exclui entregas diretas a clientes, o transporte pelo mar responde por 32% do volume”, destaca o diretor de logística da Camil Alimentos, Jaime Ghisi.
O executivo destaca as vantagens ambientais: levar cargas por navios emite quase oito vezes menos poluentes do que transportá-las pelas rodovias.
No modelo de vendas diretas, no qual o consumidor faz seus pedidos a uma consultora, que os repassa à empresa, é fundamental a rapidez da entrega. Líder no mercado de cosméticos, com 100 milhões de consumidores e presença em 58% dos lares brasileiros ao menos uma vez por ano, a Natura tem apostado, com mais intensidade desde 2013, na cabotagem em busca de eficiência e meios mais sustentáveis de distribuição.
Com oito centros de distribuição pelo País, a empresa transportou em 2014 perto de 15% de seus produtos por barcos entre o Sudeste e o Nordeste. Em setembro deste ano, bateu um recorde na movimentação por esse tipo de modal, 33%. “Demora para criar uma rede de armadores e exige muito planejamento em todos os elos, da fabricação à entrega do produto final. Quando começamos, fazíamos o ciclo em um mês, hoje leva 12 dias”, afirma o diretor de supply chain, Nestor Felpi.
Em alguns casos, a Natura chega a antecipar a produção para evitar problemas de abastecimento, frisa. A companhia estuda no momento como utilizar melhor as ferrovias. “A pesquisa ainda é incipiente. Há preocupação com a qualidade dos serviços e com o roubos de cargas”, observa Felpi.
No agronegócio, os produtores ensaiam os primeiros passos no transporte por rios. No ano passado, depois do anúncio do governo federal de conclusão da pavimentação da BR-163, cujo trecho principal liga Cuiabá, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará, a Bunge inaugurou uma nova rota de comércio após a abertura de terminais portuários nas cidades paraenses de Itaituba e Barcarena, o que permite o uso do Porto de Miritituba e da Hidrovia Tapajós-Amazonas.
A navegação fluvial elimina mais de 3 mil viagens de caminhão por mês entre Mato Grosso e os portos de Santos e Paranaguá. No primeiro ano de operação, o complexo terá capacidade para escoar até 2,5 milhões de toneladas.
Sobre trilhos um dos principais projetos é o investimento da VLI ao longo dos 8 mil quilômetros da Ferrovia Centro-Atlântica, principal eixo de conexão ferroviária entre as regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. A VLI, associação da Vale, Brookfield, Mitsui e do Fundo de Investimento do FGTS, investiu até agora cerca de 60% dos 9 bilhões de reais a ser aplicados na estrada de ferro em cinco anos, até 2017.
O principal projeto é o Terminal Integrador Portuário Luiz Antonio Mesquita, no Porto de Santos, especializado na descarga de enxofre, rocha fosfática, fertilizantes e amônia e que movimenta 2,5 milhões de toneladas por ano. Com investimentos de 2,7 bilhões de reais e entrega prevista para 2017, o terminal será ampliado para embarcar e desembarcar outros tipos de carga, commodities agrícolas incluídas.
Sua capacidade subirá para pouco mais de 14 milhões de toneladas, com três novos berços, dois para exportação de açúcar e grãos, principalmente milho e soja, e um para importação de fertilizantes. Na teoria, com todo o percurso via trilhos, mais de mil caminhões deixariam de circular entre o Centro-Oeste e o Porto de Santos.
A expectativa da VLI é atrair também os produtores de açúcar, soja e milho do Triângulo Mineiro, Goiás e Mato Grosso. Em paralelo, a empresa investe em terminais no corredor Centro-Sudeste. Inaugurado em fevereiro de 2012, o terminal de Araguari, no interior de Minas Gerais, reduziu drasticamente o tempo de carga e descarga.
Antes, as operações consumiam 65 horas. Atualmente, bastam oito. O investimento em Araguari somou 150 milhões de reais. Em 2016, a empresa pretende inaugurar um novo terminal, desta vez em Uberaba, no Triângulo Mineiro, com capacidade de estocagem estática, tombadores de carga e melhor logística para o manuseio de grãos.
“Os produtores terão a possibilidade de escoar rapidamente a sua produção, com sistemas que permitem receber até mil caminhões por dia, com o máximo de eficiência, o que pode fazer com que um caminhoneiro de Minas Gerais possa realizar mais de uma viagem por dia”, afirma Fabiano Lorenzi, diretor-comercial da VLI.
Não somente grãos seguem pelos trilhos. Tem aumentado também o transporte de combustíveis. Distribuidoras optam cada vez mais pelas ferrovias para reduzir custos e aumentar a segurança. Uma das rotas distribui gasolina e outros derivados produzidos nas refinarias da paulista Paulínia e da mineira Betim para os dois maiores estados do Sudeste e para o Centro-Oeste.
Em um cenário de desaceleração da economia e pressão de custos, a VLI busca aproximar-se dos clientes, simplificar os processos, concentrar mais as cargas e reduzir os estoques.
Outra tendência que afeta a logística é o crescimento do comércio eletrônico. Os grandes varejistas investem pesado no e-commerce, inclusive para reduzir o custo de expansão de lojas nas cidades. “O potencial de expansão do segmento ainda é muito grande, e quem vende pela internet tem inclinação por quem oferece soluções porta a porta e tenha abrangência nacional”, destaca o presidente da DGB, Douglas Duran. O setor também atravessa uma mudança operacional: no lugar de caminhões, vans e veículos mais leves.
Em Belo Horizonte e São Paulo há restrições à circulação de veículos pesados em horários de pico. Flexibilidade na frota é um ponto importante para a DGB, que tem 800 caminhões, 2 mil veículos leves e 2,7 mil motos.
Segundo Duran, o comércio eletrônico ainda ensaia os primeiros passos. Quando estiver maduro, o setor tende a adotar o mesmo modelo utilizado no exterior, no qual o comprador decide quando quer receber sua encomenda. Se desejar recebê-la em um dia, paga a entrega expressa.
A pressão dos custos tem sido intensa neste ano por causa da nova política de preços da Petrobras, da entrada em vigor da nova Lei dos Caminhoneiros e do fim das desonerações fiscais. O conjunto de medidas provocou uma queda de braço entre os transportadores e os clientes, embora todos persigam a redução das tarifas. A equipe de logística da Camil decidiu apostar na formação da carga, da hora da venda à expedição. “Adequamos o
pedido ao tamanho do veículo ou fração, para as cargas de médio porte poderem ser despachadas com duas ou três entregas em veículos maiores, de menor custo por tonelada e sem ociosidade”, afirma Ghisi. A Natura opta por aproveitar melhor o espaço interno dos caminhões, o que gera ganhos de até 5% de aproveitamento. Selecionar veículos com consumo menor de combustível é outra saída.
Nas transportadoras, o esforço é redobrado para manter as margens de lucro. Na Jadlog, transportadora de cargas fracionadas, a alta do diesel, que supera 10% neste ano, exigiu medidas de contenção de despesas.
Cerca de três terços dos 250 caminhões da empresa rodam com um tanque auxiliar de combustível, suprido no centro de logística. “Isso representa uma economia de 10%”, destaca o diretor-comercial, Ronan Hudson.
Depois de um trabalho de reposicionamento de marca, a TA (ex-Transportadora Americana) unificou suas equipes de venda, antes segmentadas em serviços de armazenagem, expresso e rodoviário. A medida visa ampliar a atuação nacional da transportadora de 75 anos, no momento em que a ordem tem sido preservar o caixa.
“O foco tem sido produtividade, sair no zero a zero na situação atual”, afirma o diretor Celso Luchiari. Investimentos em renovação da frota estão paralisados e só devem ser retomados em 2017. “A frota ficará mais velha, mas o momento é de sobreviver à crise.”
Segundo Paulo Resende, coordenador de logística da Fundação Dom Cabral, o Brasil ainda conviverá por 10 a 15 anos, ao menos, com uma matriz de transportes desequilibrada, em que a maioria das cargas seguirá pelas rodovias, mesmo em distâncias superiores a mil quilômetros, em que a competividade do modal é menor. Nas suas estimativas, pouco mais de 50% das cargas transportadas no País viajam em estradas sob administração privada.
É preciso investir, diz Resende, na inteligência logística e em um efetivo mapa no qual devem ser analisados grandes corredores interestaduais e sua relação com rodovias menores. “Aí se poderia ver o que mais pode ser feito. Além disso, é preciso estudar corredores multimodais, com opções rodoviárias, hidroviárias, ferroviárias e cabotagem. A multimodalidade vai crescer.”
Destravar a agenda de investimentos em infraestrutura exige outra postura, afirma o especialista. “Nos últimos 30 anos, vivemos uma inversão perigosa. Trocamos o planejamento pelo risco. Para os gestores públicos e as concessionárias, o ambiente de gestão de riscos permite apropriar-se deles com a cultura dos aditivos contratuais.
Para a gestão do risco malfeito, o processo atual é ótimo.” Seria preciso revisar critérios. Primeiro, quem elabora o projeto não deveria participar da concessão. Segundo, os projetos executivos devem ser bem-feitos e usados como base nas licitações. “O governo deve limitar-se a ser guardião da qualidade dos serviços e a fazer bem os marcos regulatórios de cada um dos setores.”
Nos Estados Unidos, 43% da circulação de cargas se dá por ferrovias e 32% pelas estradas, enquanto na China 50% é feita pelas rodovias e 37% por trilhos. No Brasil, quase 60% das cargas trafegam sobre rodas e apenas 13,5% de todas as estradas existentes são pavimentadas.
O excessivo peso do transporte rodoviário dói no bolso. Os custos logísticos hoje chegam a 10,6% do PIB, um número quase 50% mais alto do que aquele verificado nos Estados Unidos, de 7,7%.
“O Brasil tem uma matriz muito ineficiente, e as novas concessões ferroviárias, ainda sem modelo, podem travar a expansão do setor, que seria muito importante para o avanço do País. A cabotagem, com potencial para atrair ao menos seis cargas que hoje seguem em caminhões, poderia crescer muito mais, mas também será preciso atacar a ineficiência dos portos públicos”, afirma Paulo Fleury, sócio do Instituto de Logística e Supply Chain.
Ampliar as opções será essencial. A geografia de produção do agronegócio alterou-se. Cerca de 40% da produção de grãos vem de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Até 2020, o Brasil ultrapassará os Estados Unidos e se tornará o maior exportador de alimentos do planeta, segundo projeção da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Isso se a logística nacional não atrapalhar. “Por incapacidade de arcar com os custos de transporte, deixamos de produzir 4 milhões de toneladas de soja e milho, em 2014. Temos de atacar os nossos nós em todos os modais”, adverte Luiz Antônio Fayet, consultor em logística da CNA.
Além do uso restrito da cabotagem, das hidrovias e da baixa capilaridade do modal ferroviário, outro obstáculo é a precariedade das estradas. O acréscimo médio do custo operacional por causa das más condições do pavimento é de 25% no Brasil.
As regiões Sul e Sudeste apresentam os melhores asfaltos, com custos operacionais de 19% e 21%, respectivamente, segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes. Já a Norte tem o pior índice: 39,5%.
O custo logístico, aponta um estudo da Fundação Dom Cabral, consome 13,1% da receita bruta de um grupo de empresas com faturamento somado de mais de 1 trilhão de reais. Por causa da matriz desequilibrada, 45% do custo está relacionado aos fretes de longa distância por rodovia.
No setor portuário, será preciso melhorar a gestão dos portos públicos e reduzir a burocracia. Para executar uma operação de navegação de cabotagem na costa brasileira, é preciso assinar 44 documentos. A burocracia é um dos fatores que levam o desembaraço de um bem nacional levar em média pouco mais de cinco dias para ser realizado, o dobro da média mundial.
“Há um cipoal de leis, decretos e portarias que aumentam a burocracia e tornam conturbado o ambiente regulatório”, ressalta o presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários, Wilen Manteli. A estrutura arcaica do sistema é outro obstáculo.
As companhias Docas, empresas de propriedade da União que administram 18 portos, não têm gestão profissionalizada. Hoje, os dirigentes são indicados por governadores, prefeitos, deputados e senadores. E não existem metas de desempenho para esses profissionais.
Não bastasse, a maioria das docas possui passivos bilionários adquiridos ao longo dos últimos anos e nunca sanados. Em alguns momentos, sentenças judiciais sequestram a receita das companhias para o pagamento de débitos. Isso reduz a margem de manobra das empresas e dificulta ainda mais os investimentos.
“Um porto eficiente é essencial para a cabotagem crescer, para os caminhões descarregarem sem filas e para o produto ser exportado a um custo competitivo. Quanto mais crescer a multimodalidade e mais crescer a exportação, mais pressão haverá sobre os portos e maior será a necessidade de diálogo desses modais diferentes”, observa Manteli.
Melhorar a logística é um desafio monumental. Estudo da Confederação Nacional de Transportes (CNT) indica que o País teria de investir quase 1 trilhão de reais em mais de 2 mil projetos para elevar a competitividade do setor e modernizar rodovias, aeroportos, portos, hidrovias, ferrovias e terminais de cargas e de passageiros.
No caso das rodovias, o investimento necessário aproxima-se dos 290 bilhões de reais. Nas ferrovias, o esforço teria de ser redobrado. A malha brasileira tem, aproximadamente, 30 mil quilômetros, a mesma extensão de 1922.
Segundo a CNT, é preciso ainda praticamente duplicar a extensão dos trilhos, com a construção de mais 25,4 mil quilômetros. Para tanto, o desembolso alcançaria 278,7 bilhões de reais, sem contabilizar os projetos urbanos. Entre 2007 e junho de 2014, os recursos federais aplicados no modal não passaram de 12,5 bilhões de reais. Entende-se, dessa forma, os gargalos.