Os desafios para ampliação da Matriz Energética brasileira serão temas constantes em 2016
Os desafios na geração de energia firme na matriz energética do Brasil ainda precisam ser muito discutidos em 2016. É inegável o crescimento dos investimentos em energia eólica e solar, que parecem atender a uma garantia de fornecimento mais imediata. A falta de chuvas desvendou uma face disforme de nossa matriz energética, obrigando o país, mais uma vez, a recorrer às usinas termelétricas, produzindo energia cara e poluente, que tem sacrificado a população com o desfraldar de suas bandeiras vermelhas. Bandeiras que apontam o risco do preço alto do consumo e identificando também a vergonha dos estrategistas brasileiros do setor.
A ABDAN – Associação Brasileira de Desenvolvimento das Atividades Nucleares – vem batendo na tecla da necessidade de construções de pelo menos mais 12 novas usinas nucleares até 2050. Essas usinas fazendo parte de uma matriz firme de geração. Há diversas empresas internacionais que estão dispostas a projetar e construir, investindo do próprio bolso. Esta gestão privada de geração traria ganhos enormes para o país num momento em que a economia precisa aquecer e gerar novos empregos. O governo sabe e quer, mas está inerte. Sem vida e sem força política para se movimentar.
Mas há espaço também para ampliação das gerações alternativas, com a necessária construção e expansão da malha de distribuição, com as linhas de transmissão. Nesta edição do projeto Perspectivas 2016, convidamos o experiente e vanguardista empresárioJésus Ferreira, presidente da PP Engenharia, e Carlos Cicchi, executivo da GE Power.
Primeiramente vamos saber as opiniões de Jésus Ferreira, da PP Engenharia.
- Como analisa os acontecimentos em seu setor neste ano ?
“O setor de energia elétrica no Brasil não tem muito o que comemorar nesta virada de 2015 para 2016. Vários foram os sustos que o setor passou em função de decisões tomadas em um passado recente e um Marco Regulatório que ainda deixa dúvidas quanto a sua funcionalidade. Ademais os efeitos climáticos vem causando períodos de seca maiores que a capacidade de nossos principais reservatórios podem suportar. As novas usinas hidrelétricas e suas linhas de transmissão associadas, ainda em construção, além de não serem dotadas de reservatórios, vêm apresentando atrasos nas entradas em operação. Para evitar uma situação de racionamento de energia e água, o Operador Nacional do Sistema vem acionando as termoelétricas movidas a combustíveis derivados de petróleo. A PP Engenharia foi muito demandada para a operação e manutenção destas Térmicas.
O nosso sistema elétrico provavelmente não entrou em colapso este ano devido à grave crise econômica que se abateu sobre o país. O consumo na classe industrial de todas as regiões do país teve uma queda total de 4,3%. Nas regiões Sudeste e Centro Oeste, que representam juntas 58% de todo o consumo nacional, houve uma queda total de 1,7%, com acréscimo no consumo comercial e queda nos consumos industrial e residencial.”
Quais seriam as soluções para os problemas que o país atravessa?
“O Marco Regulatório foi concebido para um ciclo virtual e não vem apresentando segurança no ambiente complexo e incerto. Esta crise que estamos passando deverá ser usada para uma análise sistêmica do modelo setorial com o objetivo de torná-lo mais robusto, coeso e estável. É preciso haver coerência entre as ações das autoridades e o Marco Regulatório para o país poder lidar com períodos de estresse.”
- Quais as perspectivas para 2016 ? Pessimistas ou otimistas ?
“Nesta área de O&M onde a PP Engenharia atua, devido ao acionamento das Termoelétricas ao longo de 2014 e 2015, agora será o momento das revisões e manutenções. Estamos preparados para atender esta demanda, porém prevemos um baixo investimento nesta atividade.”
Vamos saber agora as opiniões de Carlos Cicchi, da GE Power.
- Como analisa os acontecimentos em seu setor neste ano?
“Apesar do cenário econômico adverso, o setor de energia segue em expansão com a contratação de novos projetos, principalmente de geração, sobretudo daqueles baseados em fontes renováveis. Juntas, as fontes eólica e solar seguem atraindo o interesse de diferentes investidores e criando as principais oportunidades no setor. Se nos últimos anos assistimos à consolidação da energia eólica na matriz elétrica, hoje com 6% de participação, em 2015 acompanhamos a intensificação do debate sobre a fonte solar e a entrada de novos players nesse mercado, mostrando o compromisso de longo prazo de governo, empreendedores e fabricantes com o desenvolvimento dessa indústria. A geração solar é um segmento com ótimas oportunidades e que a GE avalia com atenção.
Por outro lado, as recentes contratações realizadas para projetos hidrelétricos reforçam o papel dessa fonte como principal ‘motor’ do sistema de geração brasileiro. O País ainda apresenta enorme potencial hidrelétrico, seja para projetos de PCHs como de usinas de grande porte, a exemplo de Tapajós, que estava prevista para este ano e que deve ser licitada em 2016. Este e outros projetos têm gerado movimentações no mercado pelo seu tamanho e importância ao fortalecer o sistema elétrico brasileiro.
Para atuar neste segmento de mercado, a GE conta com um Centro de Tecnologia com foco em soluções Kaplan para usinas hidrelétricas de baixa queda, entre 15 e 60 metros, capazes de se adaptar a variações de vazão do rio, permitindo assim, a produção de energia durante todo o ano, em períodos de enchentes e também de seca. Nele, estão reunidas todas as competências técnicas dos produtos Hydro, como turbinas, geradores, controle, comportas e auxiliares, bem como serviços para usinas hidrelétricas, e o know-how de fabricação que a unidade de Taubaté tem. O centro conta também com uma plataforma de testes para modelos em escala reduzida de turbinas. É uma grande oportunidade para o país, pois, hoje, o Brasil responde por 45% do futuro mercado Kaplan mundial para novas centrais elétricas.
Por último, é importante ressaltar o papel estratégico desempenhado pelas termelétricas ao longo de 2015, que garantiram segurança energética durante o período de estiagem prolongada e baixa na capacidade de geração a partir das hidrelétricas. O modelo de operação das termelétricas na matriz brasileira ainda pode ser repensado, de modo que parte das usinas seja incorporada à geração de base, mas mesmo nos moldes atuais já temos um exemplo claro de sua importância na composição da matriz elétrica.”
- Quais seriam as soluções para os problemas que o país está atravessando?
“Parte da solução já está em andamento com a incorporação de novas fontes de geração ao sistema elétrico e com os investimentos e pesquisas em curso em tecnologias para transmissão e distribuição de energia, mas ainda há outras possibilidades que podem ser estudadas. O Brasil ainda apresenta terreno fértil para investimentos em projetos de geração distribuída que possam fortalecer o sistema elétrico e flexibilizar a matriz com a reutilização de insumos que podem ser utilizados para geração de energia, como a partir dos resíduos sólidos depositados em lixões e aterros sanitários, estações de tratamento de esgoto, usinas sucroalcooleiras, etc.
Hoje a GE é fornecedora de motores a gás instalados em aterros sanitários em diferentes regiões do País, que juntos somam mais de 45 MW de energia adicionados ao grid. Considerando as máquinas com previsão de entrega e entrada em operação em 2016, a GE poderá adicionar mais 60 MW, chegando a mais de 120 MW de energia produzida em aterros no Brasil. Para comparação, 120 MW equivale a produção de algumas hidrelétricas e parques eólicos em operação hoje no País. Nas aplicações citadas os motores são alimentados com gás de aterro, mas eles ainda podem ser utilizados em aplicações diversos operando com biogás, gás natural e gases especiais, como os gases residuais de fornos, minas e outros processos industriais.
O potencial dos aterros sanitários para produção de energia certamente é um dos pontos que ainda precisa ser debatido melhor, inclusive tendo em mente o que é colocado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, que determina que lixões sejam transformados em aterros sanitários.
Ainda utilizando o conceito de geração descentralizada, pequenas centrais termelétricas equipadas com turbinas aeroderivadas podem ser construídas em pontos estratégicos dos grandes centros consumidores para suprir a demanda de energia no horário de ponta. Esse é um modelo que a GE utiliza com sucesso em cidades da Califórnia, Texas e Nova York e que pode ser adaptado à realidade de grandes centros urbanos brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Ainda analisando o parque termelétrico brasileiro, uma possibilidade que ainda precisa ser debatida e que traria enormes ganhos ao sistema elétrico seria a incorporação de parte das termelétricas à geração de base. O que acontece hoje é que parte do custo da geração termelétrica está diretamente associada ao tempo em que as usinas se mantêm inoperantes, o que significa que aumentar o tempo de operação de parcela delas fortaleceria o sistema elétrico ao mesmo tempo em que mitigaria eventuais flutuações no preço da energia. Ou seja, o risco de passarmos por novos períodos de forte alta na tarifa seria reduzido e estrategicamente planejado, o que se traduziria na maior previsibilidade e competitividade da indústria.
Outra possibilidade que precisa ser debatida por órgãos públicos e indústria é a modernização de usinas hidrelétricas antigas por tecnologias mais novas. Hoje temos usinas no País que, se modernizadas, poderiam adicionar ao grid entre 4 GW e 6 GW, o que em capacidade de geração representaria o mesmo que colocar outra hidrelétrica de grande porte em operação no País. Se analisarmos o processo de licenciamento e tempo de construção das grandes usinas (média de 5 anos), o investimento no retrofit de unidades existentes se mostra extremamente relevante.”
- Quais as perspectivas para 2016? Pessimistas ou otimistas?
“Apesar do momento de retração econômica, a análise que a GE faz do mercado é positiva. É preciso ter em mente que qualquer momento de instabilidade econômica é passageiro e que projetos em infraestrutura somente são viabilizados havendo uma visão de longo prazo. Para exemplificar, os principais leilões que movimentam o mercado de geração de energia são o A-3 e o A-5, que viabilizam projetos com início de operação em três e cinco anos, respectivamente, após a contratação. Ou seja, apesar da importância do cenário econômico para a viabilização de novos investimentos, os projetos que serão contratados nos próximos anos devem levar em consideração a retomada do crescimento da economia e a perspectiva de aumento do consumo de energia elétrica, que deve crescer cerca de 4% ao ano entre 2015 e 2014, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Em outras palavras, precisamos preparar o País para o próximo período de expansão econômica e planejar adequadamente investimentos no setor elétrico que possam garantir flexibilidade ao sistema e competitividade à indústria serão essenciais.”