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Governo interino propõe transferir ao setor privado órgãos e funções do Estado (PPI, MP 727)

Clube de Engenharia - 14 de junho de 2016 1095 Visualizações
Há um Brasil que caminha em ritmo absolutamente acelerado, em contraponto a outro que ainda reflete e assimila o novo momento. O volume de mudanças legislativas do governo interino de Michel Temer, veiculado no Diário Oficial da União, não permite que o país acompanhe em tão curto espaço de tempo a dimensão e as consequências das decisões em curso. Entre elas está a Medida Provisória (MP) 727, que criou o  Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, publicada em 12 de maio último, e que já provoca acirrados debates.
A Medida Provisória encaminhada ao Congresso promove a celebração de contratos de parceria para a execução de “empreendimentos públicos de infraestrutura” e de quaisquer outras medidas de desestatização, pois recepciona integralmente o Programa Nacional de Desestatização objeto da Lei 9.491/1997.  É um programa que abrange além da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que existam aí contratos de parceria beneficiados por delegação ou medidas de fomento pela União.  A centralização proposta visa a expansão da infraestrutura e garantir estabilidade e segurança jurídica aos investidores, entre outros objetivos. 
A MP 727 não detalha agenda, políticas públicas, ou características básicas das medidas e empreendimentos de desestatização aptos ao enquadramento no PPI, que deverão ser objeto de decreto posterior. Mas admite que deverão ser tratados como prioridade nacional por todos os agentes públicos com ação no território brasileiro, qualquer que seja a instância federativa onde atuem.  Com distinta significação, recomenda que as administrações direta e indireta da União formulem programas próprios, ou autônomos, adotando práticas fundamentadas não apenas na experiência brasileira, mas também internacionais, e “independentemente de exigência legal”, podendo assim contrariar a legislação em vigor no Brasil (artigo 6º).
 
Comando e articulação
Para gestão do PPI, de âmbito nacional, será criado um Conselho cuja presidência será exercida pelo próprio Presidente da República.  Neste Conselho, coordenado por um Secretário Executivo, tomarão assento personalidades que constituem o “núcleo duro” do Governo: os Ministros da Casa Civil, Fazenda, Planejamento, Transportes (incluindo os portos e a aviação civil),  Meio Ambiente e o presidente do BNDES.  Os demais ministros poderão participar de reuniões, sempre que convidados, mas não terão direito a voto. 
Implicitamente ficam revogadas cláusulas especificas das leis 9.491/1997, 10.233/2001 e 11.079/2004, no que se refere à gestão das PPP’s, e aos Conselhos de Transportes e de Desestatização. Todas as funções de comando e articulação até então atribuídas a órgãos setoriais específicos, naquela legislação,  ficam automaticamente transferidas ao Conselho do PPI e à decisão do Presidente da República.  Uma centralização considerada impar do ponto de vista legal. 
Fato preocupante é a possibilidade que os projetos e/ou conjunto de projetos sejam levados ao Poder Executivo por requerentes, isto é, representantes de empresas ou grupos empresariais candidatos aos benefícios do programa de estruturação de parcerias.  Assim ocorreu também por ocasião dos procedimentos antecipatórios dos leilões a cargo do BNDES, a partir dos anos 1990, quando os estudos necessários à desestatização ficaram a cargo de consultoras nacionais e estrangeiras. Parece ser esta a finalidade do denominado “Procedimento de Autorização de Estudos – PAE”, que inclui não só os serviços técnicos (projetos de engenharia, por exemplo) e também atividades de relações públicas, consultorias e pareceres econômico-financeiros e jurídicos.  
Este conjunto de colaborações deverá ser objeto de ressarcimento e incluir “uma recompensa pelos riscos assumidos e pelo resultado dos estudos”, sempre que assim o determinar o edital de chamamento (artigo 14 parágrafo 4º).   Decisões relativas à licitação e à celebração de contratos de parceria ficarão resguardadas de discussões políticas (Congresso ou Assembléias estaduais e Câmaras Municipais), pois independem de “lei autorizativa, geral ou específica” (artigo 15º).
 
Debate necessário
O financiamento do programa proposto ficará a cargo do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, vinculado ao BNDES, com recursos provenientes de cotistas –pessoas de direito público ou privado e organismos internacionais – e de receitas diversas.  As obrigações assumidas pelo Fundo ficarão por conta exclusivamente do BNDES, pois administrador e cotistas responderão somente pela integralização das cotas.
O conceito de liberação, a ser utilizado nas parcerias e empreendimentos beneficiados, é bastante amplo. Inclui quaisquer licenças, autorizações, registros, permissões, direitos de uso ou exploração, regimes especiais e títulos equivalentes, de qualquer natureza (regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária e quaisquer outras).  Além dos tradicionais órgãos públicos atuantes nas três esferas da União, dentre os agentes dotados do poder de liberação, incluem-se entidades e autoridades autônomas e independentes (capitulo VI, Da liberação dos empreendimentos do PPI).
Em caráter preliminar, e a titulo ilustrativo, a medida provisória apresentada em 12 de maio último, data de votação no Senado da admissão do processo de impedimento da Presidenta eleita em outubro de 2014, configura-se como um cheque em branco da sociedade repassado ao Executivo Federal. Cheque em branco através do qual a sociedade concorda em ser destituída de  titularidade e direitos sobre recursos naturais e humanos da Nação brasileira.
Publicada praticamente em sigilo, o fato  leva o Clube de Engenharia a convocar demais instituições para análise das possíveis consequências se transformada em lei. A perspectiva de ir a plenário para ser votada em regime de urgência exige que especialistas e instituições se debrucem sobre o tema. É necessário o firme e imediato posicionamento do país para evitar a perda de conquistas históricas que por muitas décadas envolveram grandes sacrifícios do povo brasileiro.