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Novo modelo ameaça entregar o setor nuclear ao mercado

Clube de Engenharia - 14 de junho de 2016 1140 Visualizações
Entrevista - Paulo Metri, conselheiro do Clube de Engenharia
O setor nuclear ganhou destaque nas últimas semanas no Congresso Nacional. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 122/07 do deputado federal Alfredo Kaefer (PSDB-PR) e a PEC nº 41/2011, do deputado Carlos Sampaio (PSDB/SP), apensada à primeira, receberam, no dia 12 de maio parecer favorável do relator da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, onde tramitaram por longos nove anos, entre arquivamentos e desarquivamentos. O texto de ambas as propostas encaminhado pelo relator Sergio Souza (PMDB-PR) e que chegará ao plenário em breve visa modificar a Constituição Federal, pondo fim ao monopólio da União na construção e operação de reatores nucleares para geração de energia elétrica.
A PEC 122/07 pode inaugurar um novo tempo para o setor, agora com pesada participação estrangeira e sem reflexos no desenvolvimento nacional. Em entrevista ao Portal do Clube de Engenharia, o conselheiro Paulo Metri analisa os impactos que tais mudanças poderão trazer para o país. 
 
O que a PEC 122 representa de fato para o setor nuclear nacional?
O deputado federal Alfredo Kaefer, do PSDB do Paraná, apresentou em 2007 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 122, que visa modificar os artigos 21 e 177 da nossa Constituição para excluir do monopólio da União a construção, operação e, implicitamente, a posse de reatores nucleares para fins de geração de energia elétrica. Hoje, só a empresa estatal Eletronuclear possui, constrói e opera no setor. Salvo engano, esta proposta será submetida brevemente à votação do plenário e pode ser aprovada sem grande debate.  Na verdade, está se falando da permissão de entrada de empresas estrangeiras na geração nucleoelétrica no país. 
 
Mas o texto da PEC determina a atuação de empresas nacionais no setor...
Não existe a possibilidade de uma empresa privada genuinamente nacional vir a ter esta atividade, por causa do porte e experiência requeridos. Podem até camuflar a entrada das empresas estrangeiras no setor, colocando empresas privadas nacionais genuínas na fachada, mas estas serão somente testas-de-ferro. É preciso diferenciar a assistência técnica externa dada a empresa brasileira, como é o caso da Areva, que assiste a Eletronuclear, do uso de uma empresa brasileira sem competência no setor como testa-de-ferro. Então, na prática, o modelo do setor proposto nesta PEC é o do convívio de subsidiárias das empresas nucleares estrangeiras com a única brasileira de porte e tradição: a Eletronuclear, que já possui Angra I, II e III.
 
Por que é importante preservar a construção, a manutenção e a operação de usinas nucleares na mão do Estado, como hoje determina a Constituição? 
As empresas estrangeiras não irão querer ter no Brasil todas as atividades de projeto, construção, fabricação de equipamentos e montagem das usinas. Seguramente, vão trazer o projeto e os equipamentos do exterior. A construção e a montagem podem vir a ser contratadas com empresas brasileiras, mas elas poderão também forçar para que construtoras e montadoras estrangeiras entrem aqui. Quanto ao ciclo do combustível, a proposta do deputado não menciona nada, mas elas irão importar, certamente, elementos combustíveis, o que maximizará a operação de suas unidades industriais no exterior. Não se pode esquecer que, além da obrigação de oferecer energia elétrica, a mais segura e barata possível, para a sociedade, outros objetivos do Estado são o de maximizar a geração de emprego e renda no Brasil, que estão incluídos na maximização das compras locais. Assim, este critério é muito melhor satisfeito pela Eletronuclear.
 
Há um mercado de produtos e serviços nucleares no mundo no qual o Brasil poderia se inserir em um futuro próximo. As mudanças propostas pela PEC podem impactar essa participação?
Com a introdução do novo modelo no Brasil, o país fica impedido de participar da parcela do mercado de produtos e serviços nucleares no mundo, permitida pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Isso porque as subsidiárias estrangeiras aqui sediadas não irão participar de concorrências em outros países, por falta de interesse das matrizes de usar suas subsidiárias. Além disso, o lucro de uma eventual exportação não ficaria no país. O Brasil poderia tentar entrar, no futuro, com o consórcio Eletronuclear, Nuclep e INB, assistido pela Areva. Esta possibilidade futura está sendo negada com a introdução, hoje, do novo modelo, além do nível de desenvolvimento tecnológico dominado pelo país no setor vir a regredir.
 
Ainda em relação aos interesses e às práticas de matrizes e subsidiárias, há outras perdas?
Sim. O total das remessas de lucros e valores de assistência técnica para o exterior é superior no caso da adoção do modelo alienígena. A diferença entre os valores do modelo estatal e nacional e do modelo estrangeiro representa o montante que não será remetido para o exterior e será reinvestido no país.
 
Um ponto que sempre vem à tona em debates sobre a geração energética nuclear é a segurança. A abertura à iniciativa privada colabora com a segurança no setor? 
Na verdade, a construção e a operação privada de uma usina nuclear traz à tona o célebre conflito entre lucratividade e segurança. Sabe-se que, com o acréscimo de medidas de segurança, mais caro fica o investimento da usina. A iniciativa privada visa ter o máximo lucro, dentro de uma atuação segura da sua atividade. Contudo, é omitido que existem diferentes graus de segurança para qualquer empreendimento e, a cada aumento da segurança, existe um investimento adicional, que aumenta o investimento total. Também a escolha do grau de segurança a ser adotado em um empreendimento é uma decisão que leva em conta o impacto na lucratividade, e ninguém pode dizer, com certeza, qual é o grau mínimo de segurança suficiente. Desta forma, pode-se dizer que a construção e a operação de usinas nucleares diretamente pelo Estado podem resultar em usinas mais seguras, à medida que o Estado não procura a maximização do lucro.
 
A PEC prevê a criação de uma agência que regularia o setor. Essa agência não seria suficiente para garantir que as empresas privadas atendessem não só aos critérios de segurança, como também aos interesses da população?
Esse é um contra-argumento bastante utilizado. Há quem diga que existindo o ente do Estado fiscalizador da segurança nuclear, atualmente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a segurança estará garantida. Entretanto, algumas das maiores agências reguladoras do país, a ANP, a ANEEL e a ANATEL, que fiscalizam setores abertos ao capital externo, são exemplos de agências dominadas pelas próprias empresas reguladas. A ANP já colocou mais de 1.000 blocos do território nacional em leilão para a busca de petróleo, atividade esta de pouco valor para a sociedade e de grande valor para as empresas estrangeiras. A ANEEL deixou as concessionárias cobrarem a mais dos consumidores por cerca de 10 anos. A ANATEL deixa o Brasil ter uma das maiores tarifas de telefonia do mundo, em flagrante ação de cartel das operadoras.
 
Caso a PEC passe, qual será a última trincheira de resistência?
Se passar, conto com a direção e o corpo técnico da CNEN, ou da Agência que venha a ser criada, para oferecer resistência aos assédios de cooptação do setor privado, que com certeza irão existir, uma vez que virão junto com este novo modelo.