Físicos descobrem torções de luz no formato de croissants
Usando dois pulsos de laser temporizados, lançados em gás argônio, os físicos ópticos descobriram uma nova propriedade da luz chamada autotorque. Esse tipo de laser, quando direcionado a uma superfície lisa, produz uma poça de luz no formato de um croissant.
FOTO DE IMAGE BY KEVIN DORNEY, KAPTEYN-MURNANE GROUP, JILA - UNIVERSITY OF COLORADO BOULDER
O que se consegue juntando um monte de rosquinhas? De acordo com os físicos ópticos: um croissant.
É esse o resultado de uma nova pesquisa que revela uma propriedade da luz nunca antes vista, chamada autotorque. Essa característica inédita dos fótons consiste em um raio laser torcido que gira com mais rapidez e intensidade, de forma similar a um tufo de sujeira descendo pelo ralo. O estranho comportamento, descrito na revista Science, pode um dia acarretar o aperfeiçoamento da tecnologia da comunicação e novas formas de manipular objetos microscópicos.
“Sempre descobrimos coisas novas na ciência, mas não é sempre que se descobre uma nova propriedade fundamental, diz Kevin Dorney, coautor do estudo e físico-químico do laboratório JILA, administrado pela Universidade de Colorado, Boulder, e pelo Instituto Nacional de Normas e Tecnologia.
Cozimento óptico extremo
A receita do laser em formato de croissant começa com algum tipo de luz que possua o chamado momento angular orbital. Essa propriedade, só descoberta oficialmente em 1992, é conferida ao raio laser no momento em que este passa por lentes côncavas. A luz resultante desse processo tem o aspecto de uma hélice girando em torno de um ponto central. Ao ser direcionado para uma superfície, o laser assume o aspecto de um anel grosso com um furo no meio ou, em termos mais coloquiais, uma rosquinha.
Se for colocada em seu trajeto alguma nanopartícula, esta começa a girar feito um planeta em torno de um astro — daí o apelido astronômico dessa propriedade.
Dorney e seus colegas vinham trabalhando na fabricação de luz com momento angular orbital numa região do espetro eletromagnético conhecida como luz ultravioleta extrema — situada entre a bem conhecida luz ultravioleta produzida em lâmpadas de luz negra e os raios-x de alta intensidade utilizados na tecnologia médica.
Os lasers de luz ultravioleta extrema precisavam ser produzidos com o uso de dois pulsos de laser óptico vermelho lançados dentro de um conjunto de átomos de argônio gasoso. A luz laser vermelha liberava elétrons do argônio, que em seguida corriam pelas ondas do laser como surfistas, ganhando energia, diz Dorney. No momento em que os recém-energizados elétrons se chocavam novamente com os átomos de argônio, liberavam o excesso de energia na forma de fótons de luz ultravioleta extrema com momento angular orbital.
A equipe, então, indagou o que aconteceria se os pulsos iniciais de laser vermelho tivessem diferentes velocidades de momento angular orbital e estivessem fora de sincronia entre si em alguns quadrilionésimos de segundo. As simulações demonstraram que os pulsos ópticos em formato de rosquinhas se uniam de forma estranha, fazendo aumentar rapidamente o movimento giratório dos raios helicoidais da luz ultravioleta extrema. Nesses modelos, o corte transversal do laser ultravioleta assemelhava-se à lua minguante ou, em termos culinários, a um croissant.
“Ninguém imaginaria que um monte de rosquinhas juntas daria um croissant, diz Dorney. Como esperado, contudo, quando os pesquisadores realizaram o experimento com luz real, ao clicarmos no botão certo, ela passou de rosquinha para croissant, e vice-versa.
Uma luz no futuro
A equipe apelidou a propriedade recém-descoberta da luz de autotorque, pela sua semelhança com uma chave de boca apertando um parafuso, a não ser pelo fato de que, nesse caso, o torque é causado por um agente externo — a mão na chave. O verdadeiro autotorque é visto em pouquíssimos sistemas da natureza e, geralmente, só em situações extremas. Por exemplo, no momento em que dois buracos negros giram um em volta do outro, as interações gravitacionais podem causar um puxão entre eles e aumentar rapidamente a velocidade do giro.
Mas que uso terá a luz com autotorque?
“A resposta imediata é: ainda estamos descobrindo, afirma Dorney. “A propriedade é tão nova que seus usos imediatos não nos parecem óbvios”.
A situação, porém, era basicamente a mesma quando a luz com momento angular orbital foi produzida pela primeira vez há mais de um quarto de século. Hoje em dia, ela é utilizada na produção de microscópios ultrapotentes, movimentação de pequenas peças de maquinários industriais e envio de sinais a taxas de dados extremamente altas por meio de redes ópticas de comunicação. Talvez seja por isso que a descoberta de outra propriedade nova da luz tenha causado vertigem em outros pesquisadores da área.
“É empolgante e fascinante demais,” diz Alan Willner, engenheiro elétrico da Universidade do Sul da Califórnia, Los Angeles, que não participou do recente trabalho. “É como se fosse um presente do qual nunca enjoamos”.