Uma ponte para o futuro
Exame
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20 de março de 2020
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Aparados da Serra: o Grand Canyon brasileiro vive à míngua (Zé Paiva/Pulsar)
Com paredões de mais de 700 metros de altura e desfiladeiros de centenas de quilômetros, o Parque Nacional Aparados da Serra, que se estende por uma área de 10.250 hectares com 36 cânions entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, é a versão brasileira do Grand Canyon, um dos maiores cartões-postais dos Estados Unidos.
A diferença é que, enquanto o parque americano recebe quase 6 milhões de visitantes por ano, Aparados registra 230.000 turistas. Operado por um sistema de concessão, o Grand Canyon gera uma receita anual de 467 milhões de dólares. Aparados, operado pelo governo federal, tem lutado para manter o centro de visitações aberto e realizar atividades corriqueiras, como podar o mato nas trilhas. “Desde 2016, com a crise econômica, os recursos públicos para manter o parque diminuíram muito”, diz Schamberlaen José Silvestre (PP), prefeito de Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul, onde fica a principal entrada para o parque. “Precisamos ceder funcionários da prefeitura para atender os visitantes e ajudar na conservação.” O prefeito e centenas de comerciantes, donos de hotéis, restaurantes e moradores da região participaram da primeira audiência pública, realizada em janeiro, para discutir uma proposta de concessão do parque, lançada no final do ano passado pelo governo. “A iniciativa privada pode gerenciar muito melhor o parque do que o poder público, trazendo também mais empregos e desenvolvimento para a região”, diz Silvestre.
A expectativa é que o edital seja publicado até junho. Ao longo dos 20 anos previstos para a concessão, deverão ser gerados mais de 400 milhões de reais. “Foi criada uma nova modelagem, que será colocada em prática pela primeira vez em Aparados da Serra, e a iniciativa privada terá liberdade de fazer investimentos e criar atrativos de acordo com a lógica de mercado”, diz Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. “Antes, os contratos eram mais amarrados.” Os parques nacionais de Lençóis Maranhenses, Jericoacoara e Chapada dos Guimarães também estão na lista de concessões deste ano. A ideia é atrair mais visitantes e movimentar a economia local. “Hoje temos mais de 300 unidades de conservação no país”, diz Salles. “Pelo menos 40 têm um bom potencial turístico.” Apenas seis são operadas pela iniciativa privada. O parque de Foz do Iguaçu é um bom exemplo. Gerenciado por um grupo de concessionárias desde o final da década de 1990, deve receber 2 milhões de visitantes neste ano, um recorde. A concessão atual vencerá em novembro.
O governo tem mais de 100 projetos na carteira, com investimentos previstos de 264 bilhões de reais. A grande estrela é a concessão de 22 aeroportos, entre eles os de Curitiba, Manaus e Goiânia, que deve acontecer até o fim do ano. Os investimentos deverão ser da ordem de 5 bilhões de reais. Mas a onda de concessões e privatizações não para aí. Há novidades, algumas inusitadas, como a concessão do crematório de Campinas, no interior paulista, dos cemitérios públicos de São Paulo e do estádio de futebol Fioravante Iervolino, em Guarulhos, também em São Paulo. O mercado está animado. A gestora de recursos Rio Bravo pretende lançar no primeiro semestre um fundo de crédito para a infraestrutura. Até junho, o fundo deve abrir o capital na bolsa, segundo a Rio Bravo antecipou à EXAME, e começar a operar. A Rio Bravo deve levantar 1 bilhão de reais em títulos para investimento em infraestrutura. “Há uma grande demanda por parte de investidores brasileiros pelo setor, dada a possibilidade de ganhos no longo prazo e boa rentabilidade”, diz Sérgio Brandão, líder da nova área de infraestrutura da Rio Bravo. “Mas é importante resolver alguns pontos polêmicos da nova Lei Geral de Concessões para dar mais segurança jurídica ao mercado.”
As dificuldades, como de costume, estão no Brasil real — aquele que insiste em se colocar diante de mudanças essenciais para o país. Os entraves e o vaivém entre o Congresso e o governo em relação às regras propostas pelo novo marco legal das concessões e parcerias público-privadas vêm acendendo uma luz amarela em alguns investidores e especialistas do mercado. No final do ano passado, o Ministério da Economia avaliou que a nova legislação representava uma espécie de reserva de mercado para as empreiteiras, com artigos que estipulavam a apresentação de atestados de capacidade técnica em obras e previam o financiamento do BNDES de até 80% do valor da construção. “Esse é o modelo antigo, que não atrai o capital privado”, afirma Diogo Mac Cord, secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura do Ministério da Economia. Diante do impasse, foi feito um acordo para que a proposta passasse por novas discussões e revisões antes da votação no plenário da Câmara, que deve acontecer nas próximas semanas.
Na última semana, as conversas começaram a avançar. No dia 4, técnicos da equipe econômica do governo, deputados e senadores se reuniram em Brasília para debater o novo marco regulatório. “Apresentamos os pontos mais sensíveis, na visão do governo, e ouvimos as autoridades presentes”, diz Mac Cord. Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relator, e João Maia (PL-RN), presidente da comissão especial que analisa a nova Lei de Concessões, vêm avaliando as sugestões do governo. “Provavelmente, como deseja o governo, vamos repensar a necessidade de apresentação de uma série de atestados”, diz Maia. Outro ponto que deverá ser revisto é a chamada outorga carimbada, em que o valor pago pelo vencedor do leilão pode ser direcionado a qualquer obra pública, em qualquer região do país — a ideia é chegar a uma porcentagem que pode ser redirecionada. Está em discussão também o mecanismo que facilita a tomada de controle societário pelos bancos e outros investidores do projeto caso a operação apresente resultados financeiros deficitários e corra o risco de entrar em recuperação judicial. “Nossa intenção é ter uma legislação moderna, que atraia a iniciativa privada”, diz Jardim.
Aeroporto de Natal: a concessionária anunciou em março que vai devolver a concessão
Os problemas de uma concessão malfeita já são conhecidos. Um dos casos de fracasso é o do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal, o primeiro a passar por um processo de licitação no país, em 2011. O grupo argentino Inframerica, vencedor do leilão, investiu aproximadamente 700 milhões de reais na obra. No início de março, a concessionária anunciou que vai devolver a concessão. O baixo fluxo de passageiros e a defasagem nas tarifas aeroportuárias constituem os principais motivos alegados. “O aumento das taxas era ajustado somente pela inflação e a quantidade esperada de passageiros não se confirmou”, afirma José Antunes Sobrinho, acionista da fabricante de concreto Engemix e ex-sócio do aeroporto de Natal. “Por isso, é tão importante termos processos de concessão mais claros e com mais chance de ser bem-sucedidos.”
No próximo dia 18, a Frente Parlamentar de Logística e Infraestrutura, formada por 33 deputados, vai se reunir com técnicos do governo, investidores, consultores e economistas para debater, pela última vez, o novo marco legal de concessões. Depois disso, a lei deve seguir para votação em plenário e para aprovação no Senado. A ideia é colocar os pingos nos is e chegar a um consenso. “Neste momento, o mais importante é que o Congresso e o governo cheguem a uma harmonia”, diz o economista Antônio Delfim Netto à EXAME. “A ideia da nova lei é boa, falta aparar alguns pontos e chegar a um denominador comum.” Delfim Netto é, há seis décadas, um dos mais privilegiados observadores do jogo político de Brasília. Sabe que, sem alinhamento, a transformação não avança — e o Brasil seguirá caminhando à beira do desfiladeiro, assim como nos cânions de Aparados da Serra.