André Sette
Quem se interessa por política urbana provavelmente ouvirá, em algum momento, o termo “cidade compacta”. A expressão se tornou recorrente no campo do planejamento urbano. Propostas associadas ao termo privilegiam uma ocupação mais densa, com comércio e serviços perto das residências, e favorecem o trânsito de pedestres, ciclistas e usuários do transporte público. Algumas capitais europeias, como Copenhague e Amsterdã, costumam ser apontadas como exemplos deste modelo. Seu contraponto é a cidade dispersa, onde os bairros são predominantemente residenciais, afastados do Centro, e exigem longos deslocamentos de casa ao trabalho.
É verdade que a forma compacta oferece muitas vantagens. O documento Compact City Policies: A Comparative Assessment, publicado pela OCDE em 2012, apresenta algumas delas. Cidades dispersas exigem que a rede de infraestrutura — como água, energia e esgoto — chegue até os bairros mais distantes, o que gera um custo alto para o poder público. Esta distância também dificulta a implantação de linhas de transporte. Além disso, a cidade não se expande uniformemente, por isso é comum que haja terrenos vazios dentro da malha urbana. Ao invés de expandir a área urbanizada, a cidade poderia “crescer para dentro”, aproveitando estes lotes vagos.
O documento também alega que ter serviços e empregos perto de casa contribui para uma melhor qualidade de vida. Nesta visão, a forma compacta contribuiria para um resgate da vida urbana, da convivência na vizinhança, do comércio de rua e do bem-estar nas cidades. Este tipo de planejamento elege um estilo de vida ideal, e deixa pouco espaço para escolhas individuais que discordem do modelo. A popularidade dos condomínios fechados, por exemplo, indica que nem todas as pessoas gostam de viver perto do burburinho urbano.
Documentos como o da OCDE são divulgados há décadas e influenciam a política pública ao redor do mundo. No Brasil, o Estatuto da Cidade incorporou mecanismos para conter a expansão da mancha urbana, como a edificação compulsória e o IPTU progressivo no tempo. Esta norma também estabelece que os municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano deverão elaborar projeto específico na forma de lei municipal.
Iniciativas para conter a cidade costumam ignorar a necessidade de terra urbana abundante e barata. Na grande maioria das cidades, os terrenos custam mais caro nas áreas mais densas. Há ainda cidades que colocam barreiras físicas ao crescimento, como os cinturões verdes. Nesse caso, está sendo criada uma escassez artificial. Defender políticas como esta significa defender preços maiores para a terra urbana.
Em seu livro Planet of Cities, Shlomo Angel descreve o caso de Seul. Em 1971, o governo proibiu rigorosamente a expansão da malha urbana. No entanto, o número de habitações na cidade mais que dobrou entre 1970 e 1990, enquanto a renda per capita da Coreia do Sul se multiplicou por três. A população passou a se espremer em imóveis cada vez menores e mais caros. Angel aponta que o preço da terra em 1989 era 23 vezes maior do que em 1970.
Para lidar com a crise habitacional, o governo construiu nada menos que cinco cidades satélites ao redor de Seul. Estas cidades deveriam ter um caráter independente, mas até hoje permanecem ligadas ao mercado de trabalho da capital.
Outro caso notável é o de Portland, nos EUA. Como Seul, esta cidade também instituiu uma barreira de contenção nos anos 1970. O acompanhamento por satélite mostra que de fato houve uma ocupação dos terrenos vagos dentro da área urbanizada. No entanto, Angel mostra que o preenchimento dos vazios urbanos também ocorreu em Houston, uma cidade que não tem lei de zoneamento e não adota políticas de contenção. A diferença é que, em relação à renda média dos habitantes, uma casa em Houston é duas vezes mais barata do que em Portland.
Imagem aérea da área metropolitana de Portland, EUA, mostrando sua barreira de crescimento urbano bem definida.
O desafio que enfrentamos
Segundo a Organização das Nações Unidas, o Brasil acrescentará 29 milhões de habitantes às suas cidades até 2050. Este aumento não se deve somente ao crescimento populacional, mas também a migrantes vindos do interior e da zona rural. A estimativa é que, no mesmo período, a população urbana passará dos atuais 80% para mais de 90% dos habitantes do país.
O Ministério do Desenvolvimento Regional aponta que cerca de metade dos imóveis do país estão irregulares. Na prática, nossas cidades dependem de um mercado informal para oferecer moradia acessível. O parcelamento clandestino permite que famílias adquiram um lote barato e ergam sua casa aos poucos. É notável que estas pessoas consigam um lugar para morar sem ter acesso ao financiamento imobiliário. São contraídas apenas pequenas dívidas em lojas de material de construção, e a obra pode ser paralisada em períodos de dificuldade financeira. Imóveis construídos nestas condições também alimentam um amplo mercado de aluguel nas periferias do Brasil.
Não se trata de ser contra a cidade compacta, mas sim de questionar a sua viabilidade. Nossas cidades estão muito longe de abrigar toda a sua população em bairros bem estruturados. Em um país tão desigual quanto o Brasil, sempre haverá pessoas dispostas a morar a dezenas de quilômetros do seu local de trabalho. Entre reduzir o gasto com habitação ou o tempo de deslocamento, a primeira opção costuma ter prioridade. Para muitas famílias, estes são os únicos locais que oferecem um custo de moradia viável.
Em 2016, o estudo Atlas of Urban Expansion compilou uma grande quantidade de dados urbanos ao redor do mundo. A pesquisa aponta que as cidades não estão se tornando mais compactas, mas justamente o contrário. Em média, a densidade populacional tem diminuído década após década, algo que ocorre há pelo menos um século. Esta tendência é global, e os esforços para contê-la têm se mostrado inócuos. Mesmo Portland, que conseguiu controlar a expansão da área urbanizada, registra um declínio de densidade populacional.
Nos países em desenvolvimento, é esperada uma grande migração da população rural para as cidades, além de um crescimento populacional maior que o dos países desenvolvidos. Tudo indica que estes países enfrentarão uma grande expansão da malha urbana nos próximos anos. Acreditar que este movimento pode ser detido leva ao risco de não se preparar para ele.
O futuro das cidades é a expansão
Se a expansão das cidades é inevitável, o que podem fazer os urbanistas? Para Angel, a prioridade é assegurar espaço para as vias arteriais e para os espaços públicos. O poder público deve garantir a reserva dos terrenos por onde passarão as futuras estradas. Não é necessário abrir ruas e asfaltar toda a malha imediatamente. Basta que haja uma fiscalização periódica para evitar que surjam assentamentos informais nestes espaços. Em alguns casos, é desejável abrir estradas de terra para demarcar o espaço.
Priorizar o traçado das ruas não é uma estratégia nova. Esta proposta remete ao período entre o século XIX e o início do século XX, que foi um dos mais férteis da história do planejamento urbano. Nesta época foram criados planos como o de Cedrà, em Barcelona, e o Commissioners’ Plan para a ilha de Manhattan. A característica fundamental destes planos é permitir a adição gradual de ruas conforme a cidade se expande. Este traçado também foi uma resposta a tecnologias que exigiam ruas mais retas, como os bondes a cavalo e a vapor. Cidades como Buenos Aires e Chicago, que cresceram em torno de trilhos de transporte, colhem até hoje os benefícios de um tecido urbano ortogonal.
Nesta imagem da área metropolitana de Manila, nas Filipinas, o trecho reservado para uma nova via foi ocupado por assentamentos informais.
Há metrópoles brasileiras que já possuem uma ampla malha rodoviária. Contudo, devemos levar em conta que boa parte do crescimento ocorrerá longe dos grandes centros. Segundo o IBGE, a maior proporção de municípios com crescimento superior a 1% ao ano está no grupo entre 100 mil e um milhão de habitantes, enquanto os municípios com mais de um milhão de habitantes concentram crescimento entre zero e 1% ao ano. Isto oferece uma oportunidade enorme de planejar o futuro das cidades brasileiras. Barcelona e Nova Iorque não eram cidades grandes quando planejaram seu traçado. A implantação precoce de uma grelha viária possibilitou que estas cidades alcançassem um alto padrão de qualidade urbanística.
Traçar vias arteriais não significa adotar um planejamento urbano visando uma cidade compacta. Toronto, no Canadá, cresceu sobre uma grelha viária construída no século XIX. Estas avenidas definem grandes lotes que podem ser parcelados internamente da maneira que for necessário. Este tipo de solução une a diversidade do desenho urbano na escala local com o alinhamento das vias arteriais na escala da cidade.
Grelha viária de Toronto.
A grelha viária de Toronto possui ruas arteriais a cada 2km, formando lotes quadrados de 4km². (Imagem: Logan/Urban Toronto)
Este planejamento de vias pode parecer muito rígido, mas a cidade compacta tampouco é espontânea. Como afirma Michael Neuman, em seu artigo The Compact City Fallacy, restringir a forma urbana só é possível sob forte regulação. Este talvez seja o maior paradoxo da cidade compacta. Sob o pretexto de estabelecer uma relação utópica entre ser humano e cidade, esta proposta induz uma forma artificial, onde há pouco espaço para a experimentação. Não é positivo intervir em uma cidade sem identificar onde está a demanda por terra, moradia e trabalho. Regras e diretrizes são necessárias, mas seu excesso prejudica a observação destas características. A evolução urbana acaba sendo sacrificada em prol de um ideal de cidade.
A história do planejamento urbano é repleta de teorias que são, paradoxalmente, antiurbanas. Apesar de seus méritos, a cidade compacta parece ter entrado para o rol de propostas que visam disciplinar nossas cidades. O medo de uma expansão descontrolada não é motivo para atuar contra vetores de crescimento que podem ser benignos. Talvez o maior desafio do planejamento seja entender até onde vai o trabalho do urbanista, e até onde a cidade deve ser deixada a cargo de seus moradores.