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Conciliar interesses para aproveitar potencial hídrico

Valor Econômico - 27 de agosto de 2014 1158 Visualizações
 Conciliar interesses para aproveitar potencial hídrico
O futuro da matriz elétrica repousa sobre a Amazônia Legal, território que abriga cerca de 65% do potencial hidrelétrico do país, detentor de uma das cinco maiores disponibilidades de geração hidrelétrica do mundo, com cerca de 10% dos recursos existentes no planeta. 
Aproveitar ao máximo o potencial será uma tarefa complexa, já que exigirá conciliar interesses de ambientalistas, governo, empresários e tribos indígenas.
Desde a década de 1990, os principais projetos que têm saído na região Norte têm privilegiado a construção de usinas hidrelétricas a fio d'água - sem grandes reservatórios, o que reduz o impacto ambiental, mas também diminui o acúmulo de energia.
 Essa escolha aumentou a fragilidade do sistema de fornecimento de energia no país, ampliando a dependência anual de chuvas fortes no período úmido.
A capacidade de armazenamento das hidrelétricas caiu de 6,3 meses para 4,7 nos últimos dez anos. Entre 2013 e 2018 - período em que entram em operação grandes empreendimentos, como as usinas do rio Madeira e Belo Monte, os maiores projetos hidrelétricos desde o início de Tucuruí (PA), em 1974 -, está prevista a entrada de 20 mil MW de capacidade hídrica no sistema, sendo que só 200 MW têm reservatórios, segundo estimativa do governo. Isso fará com que a capacidade de armazenamento caia para 3,8 meses em 2018, segundo estimativas da CPFL Energia.
A construção de usinas hidrelétricas a fio d'água, com menor capacidade de armazenamento plurianual, aumenta o desafio de gerenciar o sistema elétrico e cria a necessidade de expansão do parque térmico do país. Para o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, é importante observar que o uso de geração térmica tem crescido mesmo quando as chuvas estão perto da média histórica.
A geração térmica é necessária para o atendimento no horário de ponta no fim do período seco, principalmente quando a temperatura sobe. É preciso começar a discutir se faremos hidrelétricas com reservatórios ou se as térmicas irão operar na base, destacou Chipp.
Sem construção de usinas com grandes reservatórios, o sistema tem sofrido mais oscilações. Em 2012, no fim do período úmido, os reservatórios estavam em 72%. No fim do ano, caíram abaixo dos 40%. Em 2013, o índice de deplecionamento foi de 22%. Vai ser preciso mais térmica, não tem milagre, diz.
Há outra questão a ser observada: grandes usinas hidrelétricas estão e estarão sendo construídas na região Norte, enquanto a maior parte do consumo está concentrada nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste.
Isso criará a necessidade de transferência de grandes blocos de energia entre as regiões. Isso aumenta o risco de grandes ocorrências no sistema, cria a necessidade de ampliação dos troncos de transmissão entre regiões e abre a discussão se vale a pena pagar a adoção de sistemas de contingência dupla nas interligações para reduzir os riscos de ocorrências, observa Chipp.
Para avançar, será preciso desatar outro nó: a questão indígena. A questão ambiental e indígena será bastante complicada e exigirá negociação complexa, ressalta Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Energia (ABCE). Há dois anos, o presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, apresentou um projeto a vários ministérios sugerindo que os índios pudessem receber royalties de empreendimentos que os afetassem diretamente.
Em vez de irem para o orçamento da Funai, os recursos seriam gerenciados por um comitê tripartite, formado por comunidade, investidores e Funai. Outra experiência diferenciada é a do Canadá, em que algumas tribos passam a ter participação em usinas. A participação é bem pequena, mas eles compartilham os resultados do empreendimento, comenta.
Exemplo das dificuldades existentes pôde ser visto na usina de São Manoel, no rio Teles Pires, projeto a fio d'água e cuja área indígena estava a mais de 50 quilômetros distante do empreendimento. A União tentou por mais de dois anos obter licenciamento para o Projeto, licitado apenas no fim de 2013.
Em 2010, o Ibama apontou uma série de deficiências no estudo de impacto ambiental da hidrelétrica que teria capacidade para abastecer mais de duas milhões de residências. Em outubro de 2011, durante processo de audiência pública da discussão do empreendimento, quatro funcionários da Funai, dois da EPE e um antropólogo foram sequestrados pela tribo indígena Kururuzinho, que não quer a usina.