Ilustração mostra vagão (cor verde) capturador de CO2. Créditos: CO2 Rail/Divulgação
A melhor solução para conter o aquecimento global é frear as emissões de CO2. Ponto. Mas esse processo é difícil, leva tempo e não é universal – alguns setores industriais (como a produção de cimento, por exemplo, que gera 8% de todo o dióxido de carbono emitido pela humanidade) simplesmente não conseguem operar sem liberar CO2. Entra em cena uma tecnologia controversa e promissora: a captura e sequestro de carbono (CCS, na sigla em inglês).
Ela consiste em aspirar o CO2 da atmosfera e dar um destino a ele – o gás pode ser convertido num combustível sintético, transformado em material de construção ou enterrado em poços (o que é polêmico, já que o CO2 poderia escapar um dia). Mas o principal problema é que capturar carbono é caro. Existem algumas usinas de CCS espalhadas pelo mundo, mas elas gastam US$ 600 para sugar e processar cada tonelada de CO2 – e a humanidade emite aproximadamente 36,3 gigatons (bilhões de toneladas) desse gás por ano. A conta não fecha.
Entra em cena uma nova tecnologia, que promete reduzir drasticamente o custo da captura de carbono: um vagão aspirador de CO2, que pode ser instalado nos trens já existentes e que vai sugando o gás carbônico da atmosfera conforme se movimenta.
O sistema foi criado pela empresa americana CO2Rail, que se uniu à Universidade de Toronto, no Canadá, para estudar sua viabilidade técnica e econômica.
Os resultados, que foram publicados na revista científica Joule, são promissores. Segundo o estudo, cada trem equipado com a tecnologia seria capaz de capturar até 3 mil toneladas de carbono por ano – o equivalente às emissões geradas por 700 automóveis no mesmo período. E sairia muito mais barato do que as atuais usinas de CCS: o sistema custa US$ 45 por tonelada de CO2 capturada.
Os trens, que podem ser de carga ou de passageiros, continuariam percorrendo suas linhas atuais. A única mudança seria acoplar o vagão extra, da CO2 Rail.
Como funciona
Enquanto as usinas de CCS gastam energia para sugar o gás carbônico (ele é aspirado por grandes “ventiladores”), a nova tecnologia aproveita o próprio movimento dos trens.
O ar entra por um duto no vagão e passa por uma câmara coletora, na qual um filtro absorve apenas o gás carbônico, devolvendo o restante do ar – agora limpo – à natureza. Já dentro do reservatório do vagão, o dióxido de carbono é comprimido até se tornar líquido, e injetado num tanque.
O vagão da CO2 Rail consegue gerar sozinho a energia necessária para comprimir o gás carbônico. Isso é feito de duas maneiras, ambas sustentáveis: com eletricidade capturada por painéis solares, instalados no teto do vagão, e por um sistema de freio regenerativo, que produz energia quando o trem freia (os eixos do trem movimentam um gerador elétrico).
Essa tecnologia é usada há mais de uma década na Fórmula 1, e também está presente nos carros elétricos que andam nas ruas. É especialmente boa para uso em trens, pelo seguinte motivo: eles são muito pesados, e por isso possuem muita energia cinética quando estão em movimento (a fórmula da energia cinética, que talvez você lembre das aulas de física no Ensino Médio, é massa x velocidade / 2).
Nos trens atuais, essa energia cinética é convertida em calor, gerado pelo atrito das rodas com os freios. Ela é desperdiçada. Mas, com o sistema regenerativo, poderia ser convertida em eletricidade.
Combustível sintético
Quando o tanque de CO2 do vagão fica cheio, ele é tirado e levado para uma estação da CO2 Rail, que o encaminha para seu destino final. Outras empresas ficariam responsáveis por transformar o CO2 em combustível sintético ou injetá-lo em depósitos subterrâneos – e esse é um ponto controverso.
Além do eventual risco de vazamento (que poderia resultar em crises climáticas no futuro), o ato de enterrar CO2 também pode acabar agravando o aquecimento global. Isso porque, em certos casos, as empresas de petróleo injetam o CO2 em seus poços para conseguir extrair mais óleo deles, numa técnica conhecida como enhanced oil recovery. Ela é um problema, já que mais petróleo extraído e queimado significa mais CO2 lançado na atmosfera.
Já se o gás for transformado em combustível sintético (o que é feito por meio de reações químicas, e foi demonstrado em laboratório pela primeira vez em 2013), tudo bem: quando for queimado, ele vai liberar exatamente o mesmo CO2 que havia sido capturado, sem agravar o aquecimento global. A Fórmula 1 está desenvolvendo um combustível desse tipo, que deve começar a ser usado em 2026.
O projeto da CO2 Rail tem a vantagem de ser modular, já que os vagões podem ir sendo fabricados e instalados aos poucos. Isso o torna bem mais simples e viável do que construir uma usina de captura de carbono: projeto no qual é necessário adquirir um terreno, fazer estudos de impacto ambiental, conseguir permissão das autoridades e investir centenas de milhões de dólares. Por isso, há pouquíssimas usinas de captura de carbono: são cerca de 20, distribuídas pelo mundo.
A CO2 Rail pretende instalar os seus vagões em 13 mil trens, nos Estados Unidos, ao longo dos próximos anos. Isso pode parecer só mais uma ambição desmedida típica de startup. Mas pode ter chances reais, graças a um fato: o megapacote de investimentos climáticos que o governo dos EUA anunciou, e o Congresso americano aprovou, para os próximos anos.
Ele inclui US$ 369 bilhões em geração de energia limpa e combate às mudanças climáticas – sendo US$ 12 bilhões só para projetos de captura de carbono, como o da CO2 Rail. Com esse esforço, os Estados Unidos pretendem reduzir em 40% suas emissões de carbono até 2030.
O estudo da Universidade de Toronto estimou que a tecnologia de vagões aspiradores de CO2 teria potencial para capturar 0,45 gigaton de CO2 por ano já em 2030 – aumentando para 2,9 gigatons em 2050 e 7,8 gigatons em 2075.
Essa poderá ser uma ajuda a mais num esforço extremamente ambicioso, que também terá de envolver a substituição de combustíveis fósseis, a construção de usinas de captura de CO2 e o reflorestamento. O planeta depende disso.