O análogo de buraco negro foi criado usando as luzes de acionamento dos freios dos veículos, dando origem a um "buraco negro veicular".
[Imagem: Adaptado de John Howard/Pixabay/NASA]
Análogos de buracos negros
Ao se ver preso em um engarrafamento, o professor George Matsas, da UNESP, teve uma ideia bem típica de um físico teórico: Ele começou a refletir sobre as semelhanças entre certas situações de trânsito, como as que levam a engavetamentos, e fenômenos da física associados com os buracos negros.
E ele encontrou na estudante Luanna de Souza a parceira perfeita para levar a ideia adiante, desenvolvendo um modelo análogo de buraco negro aplicado ao tráfego de veículos.
Buracos negros são regiões nas quais o campo gravitacional é tão intenso que nada consegue escapar, nem mesmo a luz. Eles capturam partículas, objetos e radiação que passam pelo seu horizonte de eventos, nome dado à fronteira do buraco negro - tudo que passar por essa região será inevitavelmente sugado em direção a um pequeno ponto que fica na região, chamado de singularidade, cujas propriedades os cientistas ainda desconhecem.
A ideia de buscar analogias entre os gigantes cósmicos e outros eventos remonta ao começo dos anos 1980. Naquela época, de forma independente, dois físicos, Vincent Moncrief (Universidade Yale, nos EUA) e Bill Unruh (Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá), perceberam que algumas características dos buracos negros surgiam também em estudos envolvendo outras situações no campo de relatividade geral. O conceito ganhou relevância porque permitiu que fenômenos impossíveis de serem observados diretamente nos buracos negros reais pudessem ser pelo menos parcialmente estudados a partir dos chamados buracos negros análogos.
É claro, entre os buracos negros análogos e os reais existem muitas e importantes distinções. "Em um buraco negro de verdade nada escapa: radiação, informação, nada. Em um buraco negro análogo apenas alguma coisa não escapa. Essa é a diferença estrutural", explica Matsas.
Buraco negro no trânsito
A analogia entre o buraco negro e o trânsito, proposta pelos dois físicos, se baseia na transmissão da informação do acionamento dos freios dos carros, que ocorre pelas luzes de freio, junto às lanternas traseiras. Para encaixar as brecadas na matemática do buraco negro, a dupla considerou que são essas luzes que ficam presas no análogo.
Segundo eles, os engavetamentos que vitimam simultaneamente diversos carros nas estradas podem ser causados por "buracos negros veiculares". "Nem todo engavetamento deve ser devido à existência de um buraco negro veicular, mas nós entendemos que esses buracos negros levam a uma boa chance de engavetamento," disse Matsas.
Imagine uma fileira de carros andando em linha reta por uma estrada. Eventualmente os veículos chegam a uma região de neblina e, sem conseguir enxergar direito, o primeiro motorista é obrigado a frear e diminuir a velocidade. A luz do freio transmite a informação da redução de velocidade ao motorista imediatamente atrás, que também freia e desacelera. Nisto, ele também aciona a luz de freio, fazendo com que o carro que vem atrás também reduza.
A desaceleração ocorrerá sucessivamente, ao longo de toda a fileira. Se os carros estiverem andando a uma distância segura uns dos outros, os motoristas terão tempo de reação suficiente e todos poderão desacelerar sem que nenhum acidente aconteça. Nessa situação, a informação luminosa do freio será propagada para trás, por meio do acionamento das luzes de freio dos veículos, ao longo da fileira, enquanto o movimento dos carros segue à frente.
Porém, se os carros estiverem muito próximos o resultado será outro: Quando o primeiro motorista entrar na região de baixa visibilidade e acionar o freio surgirá um horizonte de eventos que, assim como em um buraco negro real, vai impedir a propagação da informação para longe.
Em um determinado ponto, as luzes não conseguem escapar do horizonte de eventos, gerando colisões em série.
[Imagem: Luanna K. de Souzaa) et al. - 10.1119/5.0091957]
Colisão quase cósmica
O engavetamento acontece porque, ao receber a informação da luz de freio do carro da frente, o segundo carro terá menos espaço para desacelerar, por conta da proximidade e da baixa visibilidade. Forma-se, então, uma reação em cadeia na qual o tempo de reação suficiente para evitar um acidente fica cada vez mais curto.
Eventualmente, chegará o momento em que algum motorista não terá tempo suficiente para acionar o freio antes de bater no carro à frente, impedindo que a informação seja enviada para o próximo carro. Esse segundo carro, por sua vez, irá colidir e também não terá tempo para acionar a luz de freio, dando início a uma colisão em série.
A colisão deste segundo veículo que não acionou as luzes de freio pode ser comparada à formação abrupta de uma singularidade de buraco negro, porque resultou na interrupção da transmissão da informação por via luminosa. E, sem essa informação, os carros na estrada não terão possibilidade de escapar do engavetamento, devido à escassez de tempo para reação.
Uso prático para prevenir acidentes
Em buracos negros reais, a singularidade é uma região misteriosa, cujas propriedades físicas são pouco compreendidas. "Não sabemos como descrever a propagação da informação na região bem próxima da singularidade," confirmou Matsas.
A dupla acredita que esta é a primeira vez que modelos análogos de buracos negros são aplicados para estudar situações do cotidiano, o que aponta para um novo potencial do campo de estudos, estendendo-se além das questões envolvendo a teoria da relatividade.
Talvez o modelo de buraco negro veicular não chegue a auxiliar na prevenção de acidentes na estrada, mas o professor espera encontrar outros pesquisadores interessados em explorar essa possibilidade. "Gostaria muito de saber, da parte dos grupos de dinâmica veicular, se esse formalismo informacional poderia ser útil na prática. Não sei se isso vai ocorrer, mas eu gostaria que sim," concluiu Matsas.