De caroço de açaí a algas, empresa aposta em coprocessamento e técnicas de sequestro de gases de efeito estufa para reduzir suas emissões
Numa fábrica em Primavera (PA), a 200 quilômetros de Belém, os fornos da Votorantim Cimentos são abastecidos com um combustível, a princípio, inusitado: caroços de açaí.
Antes dispensados pelas famílias extrativistas, que vendiam apenas a polpa, os caroços do fruto – que representam 80% do seu peso – já substituem mais da metade do combustível fóssil necessário para aquecer a mistura de calcário, argila, areia e minério de ferro que entra nas fornalhas.
A unidade é um exemplo das estratégias que a Votorantim Cimentos, a sétima maior produtora do insumo no mundo e atuante em 11 países, vem utilizando para reduzir suas emissões de carbono.
A meta é cortar 24,8% das suas emissões diretas de gases de efeito estufa por tonelada de cimento produzido até 2030 em relação a 2018. E acaba de ser aprovada pela Science Based Targets Initiative (SBTi), formada por diversas organizações ambientais que garantem que os compromissos estão em linha com o caminho previsto pelo Acordo de Paris.
Num mundo que precisa cortar suas emissões pela metade até 2030, a redução pode parecer pouco à primeira vista.
Mas é um desafio e tanto para um dos setores considerados de mais difícil descarbonização e que representa 8% das emissões globais.
Produzir cimento emite muito CO2 – ele é um resíduo intrínseco ao processo. Para entender o tamanho do problema, é preciso entender como ele é produzido.
A principal matéria-prima do cimento é a rocha calcária. Junto com argila, areia e minério de ferro – utilizados em menor proporção – ela é submetida a temperaturas superiores a 1450ºC. Dos fornos, saem pelotas conhecidas como clínquer, que, depois de moídas, dão origem ao cimento.
Nas fornalhas, diante do calor, o carbonato de cálcio (CaCO3) dá origem ao óxido de cálcio (CaO). O resíduo é o CO2.
Ou seja, enquanto em grande parte dos setores a maior parcela da pegada de carbono está na cadeia de valor – ou nos fornecedores ou no uso dos produtos –, no caso das cimenteiras, o chamado escopo 1, das operações diretas, responde por mais de 80% das emissões.
Coprocessamento
O que garante a altíssima temperatura dos fornos são combustíveis fósseis – em geral, coque de petróleo.
Se não é possível converter o calcário em cimento sem emitir CO2, dá para trocar os combustíveis por alternativas menos poluentes. A VC tem como meta substituir 53% deles até 2030 utilizando resíduos de outros setores, o que é chamado de ‘coprocessamento’. É mais que o dobro do patamar atual, de 22%.
Os materiais alternativos para queima variam, podendo até mesmo ter uma fonte fóssil, mas com menos emissões, como pneus carecas inservíveis ou resíduos plásticos.
Mas a menina dos olhos é mesmo a biomassa, abundante no Brasil – e neutra em carbono.
No Sul e no Centro-Oeste, por exemplo, a empresa usa casca de arroz. Na Espanha, o caroço, em vez de açaí, é de azeitona.
O desafio da cadeia
Para comprar coque de petróleo – uma commodity padronizada – basta um ou alguns fornecedores. Já desenvolver a cadeia para outros combustíveis e adaptar cada forno à sua especificidade é uma tarefa muito mais complexa.
É preciso conseguir a licença ambiental para usar a matéria-prima alternativa, a disponibilidade em quantidade suficiente para abastecer uma fábrica de forma contínua, além dos desafios de armazenagem, estocagem e processamento.
Para fazer o abastecimento desses combustíveis, a VC criou em 2019 uma unidade nova de negócios dedicada apenas a essa função: a Verdera.
Num momento em que a economia circular ganhou apelo, a lógica é que, além de abastecer a Votorantim Cimentos, a Verdera presta serviço às fornecedoras, dando uma destinação mais nobre a resíduos de outras empresas que iriam, na melhor das hipóteses, parar em aterros sanitários.
“É a Verdera que faz o contato com as empresas que geram os resíduos, faz todo o processo de cadastramento e de disponibilizar esses materiais para serem utilizados nas nossas fábricas”, explica o executivo.
Há ainda os investimentos em tecnologia. A VC tem um plano de investimento de R$ 400 milhões nos próximos cinco anos para adaptar as fábricas para o coprocessamento, partindo do princípio de que vai conseguir ter o material disponível.
Mais com menos
Outro pilar da meta da companhia é fazer mais com menos. No caso, mais cimento com menos clínquer.
“Dentro do conceito de economia circular, conseguimos usar subprodutos de outras indústrias, que, misturados com o cimento e moídos de forma bastante fina, dão a propriedade de resistência”, afirma Lorenz.
Um desses materiais é a escória de alto forno, um resíduo da produção do aço. Outro é a cinza do carvão mineral utilizado nas térmicas do Sul do Brasil.
Hoje, 74,9% do cimento produzido vem do clínquer e a meta é chegar a 68% até 2030.
Uma unidade inaugurada há um ano e meio em Pecém, no Ceará, utiliza a escória da Companhia Siderúrgica de Pecém na composição do cimento e, além disso, tem uma tecnologia que permite um consumo de energia elétrica 30% inferior ao de outras instalações.
Com isso, a empresa afirma que já consegue produzir um cimento com 60% a menos de CO2.
Sequestro e compensações
Com a geração de CO2 intrínseca ao processo de fabricação, a indústria do cimento é uma das que, invariavelmente, terão que recorrer ao sequestro de carbono ou à compensação via créditos para se tornar neutra em emissões.
CCUS é a sigla em inglês para captura, armazenamento e utilização de carbono, técnicas que sequestram o carbono direto na fonte, são a promessa para setores intensivos em emissões de gases de efeito estufa e que ainda não existem em escala comercial.
Numa unidade no Canadá, a empresa já tem uma iniciativa em escala piloto em parceria com um startup chamada Pond Biotech. O projeto busca captar o CO2 emitido na produção do cimento e utilizá-lo em biorreatores para a criação de algas, que podem então ser convertidas em diferentes produtos, como biocombustíveis, biofertilizantes e ração animal.
A VC também pretende investir em créditos de carbono para fazer compensação, especialmente de soluções baseadas na natureza, mas para isso deve apostar na geração própria.
“Como temos áreas de solo, terreno e propriedades que são bastante extensas, temos feito análises para explorar essa opção dentro das nossas unidades”, afirma Lorenz.
Em paralelo, a companhia, junto com outras duas do grupo Votorantim (Auren, de energia, e CBA, de alumínio), além da holding Votorantim S.A., é uma das apoiadoras de uma iniciativa que busca melhores padrões para os créditos emitidos no Brasil, liderada pela McKinsey.
“Para a gente poder dizer, como país, que realmente estamos abatendo e compensando as emissões com segurança e integridade, temos que ter metodologias à prova de críticas”, diz o executivo.