Imagine poder criar estruturas de luz tridimensionais, capazes de retratar objetos e cenas realistas que podem ser vistos por usuários sob praticamente qualquer ângulo. Uma pesquisa com participação da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP acaba de aproximar a ideia da realidade através de um método inovador e promissor em holografia tridimensional. O trabalho, descrito emartigoda revistaNature Photonics, propõe o uso de filamentos de luz altamente controláveis dispostos em cascata, formando padrões espaciais bidimensionais, as folhas de luz, que são empilhados para compor cenas tridimensionais. Concebido por pesquisadores da USP, o método foi testado experimentalmente na Universidade de Harvard (Estados Unidos) com resultados promissores, com potencial aplicação em realidade virtual e aumentada, imagens biológicas, displays e ferramentas educacionais, entre outras.
Os filamentos de luz, chamados de “ondas congeladas” (do inglês,frozen waves), são baseados em feixes especiais conhecidos como feixes de Bessel, capazes de resistirem aos efeitos da difração por longas distâncias e reconstruírem-se após passarem por um obstáculo. “Elas estruturam a luz em escalas espaciais micrométricas, milimétricas e centimétricas, ao longo do próprio eixo de propagação, e já vinham sendo exploradas em aplicações específicas, como aprisionamento óptico de partículas e guiamento de átomos”, explica o professor Michel Zamboni Rached, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coautor do trabalho e que formulou as bases teóricas dasfrozen waves. “Estender o conceito para duas e três dimensões é um passo importante e necessário para alavancar novas aplicações em óptica e fotônica.”
O conceito das folhas de luz, originalmente apresentado pelo grupo do professor Leonardo Ambrosio, da EESC, adiciona um grau de liberdade ao processo de estruturação da luz. “Através da aproximação controlada dos filamentos, pode-se conceber cenas espacialmente complexas e de alta resolução, não apenas monocromáticas, mas também de cores variadas, por exemplo, usando sistemas de laser”, relata. “Isso abre uma ampla frente de novas pesquisas em imagens e impressão 2D e 3D, micromanipulação de partículas, displays 3D e, claro, em holografia, foco deste trabalho.”
Além disso, mesmo em materiais absorventes, onde a luz convencionalmente sofreria atenuação durante a propagação, é possível, até certo ponto, manter as cenas tridimensionais desejadas sem perda de resolução ou nitidez. “As folhas de luz podem ser utilizadas em pinças ópticas holográficas, com a vantagem de permitir o controle dinâmico dos pontos de aprisionamento em múltiplos planos, todos paralelos entre si e ao eixo de propagação”, acrescenta Vinicius de Angelis, doutorando da EESC que participou do estudo. “Ao alterarmos o padrão da luz incidente com cadência e varredura adequadas, é possível dar a ideia de movimento à cena e criar vídeos de luz tridimensionais”, aponta o mestrando Jhonas de Sarro, da EESC, também membro do grupo de pesquisadores.
Leonardo Ambrosio - Foto: Reprodução/Currículo Lattes
Diferentes abordagens para projeção holográfica: A) Na holografia de Fourier, uma imagem 2D é projetada com profundidade de campo limitada. B) Com a holografia Fresnel multiplano, as imagens 2D podem ser projetadas em diferentes profundidades ao longo do caminho óptico, embora com tamanhos diferentes devido à difração. As imagens projetadas a distâncias maiores devem manter distâncias maiores entre si. C) As folhas de luz holográficas são uma nova classe de holograma que pode projetar várias imagens em camadas paralelas orientadas perpendicularmente ao plano do holograma, preservando a separação uniforme entre elas. D) Uma cena 3D é decomposta em uma pilha de folhas de luz holográficas 2D que podem ser orientadas horizontalmente (como mostrado) ou verticalmente, fornecendo uma reconstrução realista do objeto alvo projetando-o com profundidade contínua ao longo da direção axial - Imagem: Nature Photonics
Ao contrário das técnicas tradicionais, no método descrito pela pesquisa, a luz é arranjada em planos perpendiculares, e não paralelos, ao do display óptico. Uma grande desvantagem dos métodos tradicionais em holografia é a perda de resolução das imagens geradas. Isso ocorre porque a luz é organizada em planos paralelos e que se distanciam entre si à medida que se afastam do observador. Isso faz com que as camadas mais distantes do usuário se tornem mais difíceis de serem vistas.
A nova técnica supera esta limitação e fornece sensação contínua de profundidade porque permite ao usuário enxergar toda a extensão das folhas de luz. “Ao fazermos isso, resolvemos o problema de percepção de profundidade que tradicionalmente afeta a holografia”, afirma Ahmed Dorrah, pós-doutorando e responsável por conduzir os experimentos junto ao Laboratório de Óptica do grupo do professor Federico Capasso, da Universidade de Harvard.
“Esta pesquisa aproveita de forma inovadora os moduladores espaciais de luz (SLM), uma tecnologia amplamente utilizada e comercialmente estabelecida, para moldar a luz à medida que ela se propaga, criando uma classe inteiramente nova de hologramas”, diz o professor Capasso, que liderou a equipe na montagem e realização de todos os testes práticos. “Prevejo que este método de holografia terá impacto em realidade virtual e aumentada, imagens biológicas, displays volumétricos, interações humano-computador, ferramentas educacionais interativas e muito mais.”
Geração de folhas de luz holográficas em 2D - Imagem: Nature Photonics
Montagem de folhas de luz holográficas em 2D para construir cenas volumétricas (3D) - Imagem: Nature Photonics
As tratativas para a proteção da propriedade intelectual já foram iniciadas, e a equipe agora busca oportunidades para exploração comercial. A lista de autores do artigo sobre o trabalho inclui o professor Leonardo Ambrosio e os pós-graduandos Vinicius de Angelis e Jhonas de Sarro, da EESC, o professor Michel Zamboni Rached, da Unicamp, o professor Federico Capasso, o pós-doutorando Ahmed Dorrah e o estudante de graduação Priyanuj Bordoloi, da Universidade de Harvard. A pesquisa teve financiamento do Natural Sciences and Engineering Research Council (Canadá), Office of Naval Research e Air Force Office of Scientific Research (Estados Unidos), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Com informações da Comunicação Institucional da EESC