Em tempos de crise, engenharia de valor está em alta
Resumidamente, Engenharia de Valor é a especialidade em que, antes de fabricar um produto, executar um serviço ou viabilizar uma obra, os recursos disponíveis são analisados ainda na fase de projeto para que sejam evitados custos desnecessários ou que ocorra a extrapolação do orçamento. Nascida no pós-guerra, a metodologia recebeu o nome de Engenharia de Valor em 1947.
Nos Estados Unidos, a partir de 1959, surge a Sociedade Americana de Engenheiros de Valor (em inglês, Society of American Value Engeneers – SAVE). A partir da década de 1960, os conceitos se espalham por diversos países da Europa, até chegar ao Japão. No Brasil, a Engenharia de Valor desembarcou nos anos 1970 e em 1984 foi fundada a Associação Brasileira de Engenharia e Análise do Valor – ABEAV (www.abeav.com.br).
Para explicar os conceitos da Engenharia de Valor, e como a metodologia pode ser aplicada na construção civil, o engenheiro civil Luiz Geraldo Crespo Arruda e a administradora María Esmeralda Ballestero-Alvarez concederam a entrevista a seguir. Ambos fizeram questão de frisar que Engenharia de Valor não pode ser confundido com corte de custos. Confira:
Em tempos de crise, praticar Engenharia do Valor é essencial?
Luiz Geraldo Crespo Arruda – Considerando que uma crise se traduz na perda de valor econômico nas organizações, podemos inferir que o caminho efetivo para reverter estruturalmente tal situação é a adoção de uma filosofia de gestão apropriada para tal demanda, como a Engenharia do Valor, que é unicamente baseada na contra-desvalorização econômica, ou seja, combate à destruição de valor através da (re)criação de valor para todos os interessados. Entretanto, uma filosofia não é algo que se pratique às vezes, e por alguns, mas sim algo que se acredita e se tem como base fundamental de pensamento sistêmico, decisões e ações. Ou seja, posso também sustentar que a crise se instala por fragilidades estruturais e filosóficas oriundas da falta de uma gestão baseada na Engenharia do Valor.
O foco principal da engenharia de valor é meramente baixar custos ou ela engloba outras diretrizes?
María Esmeralda Ballestero-Alvarez – Infelizmente, essa é uma visão muito difundida da Engenharia de Valor, mas que reduz a quase nada sua importância e significado. Desenvolver, usar, praticar e aplicar Engenharia de Valor significa adotar uma filosofia diferenciada em relação aos negócios. Engenharia de Valor é um sistema amplo que se destina a analisar, criticar, modificar e inovar um processo qualquer, visando maximizar os resultados para agregar valor a um produto ou serviço, tanto para o cliente quanto para a empresa. Engenharia de Valor parte da premissa de que, absolutamente tudo que se faça, obrigatoriamente deve agregar valor. Caso contrário, é custo e quem paga o custo (no final das contas) é o cliente. Isso ocorrendo, a concorrência superará a empresa e ela não será competitiva. Desse enfoque, podemos inferir a importância de se fazer Engenharia de Valor, pois ela constitui mais uma ferramenta à disposição dos gestores para tornar a empresa mais competitiva, agressiva, inovadora e criativa.
Em quais áreas a Engenharia de Valor é mais aplicada?
Luiz Geraldo Crespo Arruda – A Engenharia de Valor poderá ser aplicada em organizações de qualquer setor da atividade econômica, basta a mesma considerar que deve gerenciar a valorização do seu negócio. Já dentro dos negócios, podemos aplicá-la em precificação baseada em valor, compras baseada em valor, riscos baseado em valor, venda baseada em valor, marketing baseado em valor, alianças baseada em valor, valorização da informação, potencialidade baseada em valor, valorização de marcas e intangíveis, valorização de ações e cotas, valorização de produtos e serviços, valorização da usabilidade, valorização de processos, valorização ambiental, valorização social, valorização de resíduos, valorização energética, além de desempenho, indicadores e metas baseadas em valor.
A engenharia de valor também prioriza a qualidade?
María Esmeralda Ballestero-Alvarez – Engenharia de Valor somente faz sentido quando utilizada para maximizar resultados de um projeto. Portanto, ela deve considerar também as normas preconizadas pela ISO 21500 (Guia para Gerenciamento de Projetos) na qual a qualidade é a pedra de toque, o ponto fundamental. Somente maximizamos resultados com muita qualidade.
Na construção civil, como a Engenharia de Valor é aplicada?
Luiz Geraldo Crespo Arruda – Podemos aplicar em diversas situações na construção civil. Cito como exemplo a aplicação da Engenharia de Valor nas técnicas de VIPs (Value Improving Pratices), que são uma série de ferramentas utilizadas para otimização do valor de empreendimentos de grande porte. Também podemos citar a aplicação em obras industriais na modalidade de Preço Máximo Garantido (PMG), no qual o cliente e o fornecedor repartem as economias conquistadas através da utilização da Engenharia de Valor. Outra aplicação, mais especificamente voltada para a área predial, é a tendência da elaboração de Produto Imobiliário baseado em valor. E mais recentemente, com o advento da Norma ABNT NBR 15575 (Norma de Desempenho de Edificações), temos o interessante relato do engenheiro Ércio Thomaz, do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas): “Com o cruzamento de exigências e respostas, a norma NBR 15575 põe no papel um conceito muito falado, mas pouco aplicado na relação entre construtor e usuário de uma edificação: a relação custo-benefício, e que implica na Engenharia de Valor”. Assim, podemos aplicar a Engenharia de Valor em todos os projetos técnicos, sejam eles arquitetônicos, de instalações ou estruturais, de modo a aumentar a criação de valor econômico. Cito ainda a aplicação da Engenharia de Valor em estudo de potencialidade para avaliações de imóveis pela ABNT NBR 14653 – Avaliação de bens, pelo método involutivo indireto.
Em quais áreas a engenharia de valor é mais aplicada?
María Esmeralda Ballestero-Alvarez – Em todas. Não há uma área que precise mais da Engenharia de Valor do que outra. Qualquer área empresarial usa recursos (tempo, dinheiro, pessoas, tecnologias, materiais, máquinas, equipamentos e matéria-prima). Esses recursos não se encontram infindáveis, à nossa disposição. Eles são escassos e têm custos (dinheiro, tempo, esforços). Então, o pensamento central é: sua área usa recursos? Então, ela é apropriada para usar Engenharia de Valor.
Quando a Engenharia de Valor é usada em uma obra, ela já precisa estar prevista na fase de projeto?
Luiz Geraldo Crespo Arruda – A contratação de projetos de Engenharia de Valor é baseada em retorno sobre o investimento. Estudos estatísticos nos mostram que quando aplicamos a Engenharia de Valor na fase de projeto de necessidades e no projeto conceitual, as taxas de retorno são de cerca de 1:200, ou seja, para cada um real que se gasta no projeto de Engenharia de Valor, cerca de 200 reais são criados em valor econômico. Além desta abordagem, o projeto de Engenharia de Valor deve ser o primeiro projeto a ser elaborado, pois dele partirão o escopo, as premissas e as restrições de necessidades de desempenhos, custos e metas a serem alcançados pelos projetistas e pelo setor de produção.
O Brasil explora pouco as soluções oferecidas pela Engenharia de Valor?
María Esmeralda Ballestero-Alvarez – Na verdade, o que ocorre é a simplificação de seu escopo, a banalização da ferramenta e a redução de seu significado e impacto. Conhecer, dominar e aplicar Engenharia de Valor requer tempo, dedicação, interesse e criatividade. Isso requer investimento na formação de um profissional, e que muitas vezes o mercado não está disposto a recompensar de forma adequada. Infelizmente, não podemos esquecer que estamos mais habituados a obter resultados imediatos do que esperar que eles germinem para a colheita. A partir desse pensamento entende-se o porquê desta simplificação.
Além do Brasil, quais países fazem melhor uso da Engenharia de Valor?
Luiz Geraldo Crespo Arruda – Em termos de política de estado, os Estados Unidos possuem leis que obrigam a utilização da Engenharia de Valor em todos os serviços governamentais desde 1959, conforme resolução 172 do Pentágono. Para se ter uma dimensão, apenas no departamento de transportes, o Federal Highway Administration (FHWA) tem catalogados mais de 12.000 projetos de Engenharia de Valor ao longo dos últimos 40 anos, que analisaram mais de 800 bilhões de dólares em investimentos e já criaram mais de 120 bilhões de dólares de valor econômico. Além das leis de estado, temos também a norma ASTM-1699-Value Engineering/Value Analysis e o Guia Value Standard and Body of Knowledge- da SAVE (Society American of Value Engineers) associação que existe desde 1962.
Temos na comunidade europeia uma abordagem mais normativa, na qual utilizam a norma EN 1325-Value Management. Somente no metrô de Londres são realizados anualmente cerca de cem estudos de Engenharia de Valor. No Japão, existe uma robusta abordagem legislativa de estado, sendo que é obrigatória a aplicação da Engenharia de Valor nos serviços municipais, além da grande aplicação na sua indústria eletrônica, com destaque para a aplicação nos projetos de robótica da Kawasaki. Na Arábia Saudita, temos como determinação a aplicação da Engenharia de Valor em todos os projetos relacionados à economia e à valorização de um bem que lhes é muito escasso: a água potável.
Em empresas privadas, cito a aplicação da Engenharia de Valor na empresa de softwares alemã SAP. Esta empresa é atualmente a maior do mundo em número de Value Engineers (engenheiros do valor).
Como se especializa em engenharia de valor? Existe um curso específico?
María Esmeralda Ballestero-Alvarez – A Engenharia de Valor está contemplada em três formações: administração, economia e ciências contábeis. Trata-se de especialização em nível de pós-graduação, tanto lato como stricto sensu. Outra forma que existe é a especialização em PMBOK – sistema mais conhecido e utilizado para gerenciar projetos de qualquer porte para empresas de qualquer segmento. O Project Management Institute (PMI) no Brasil oferece diversos cursos de certificação, desde técnico até profissional com diversas áreas específicas (projetos, cronograma, negócios, risco, projeto). Os cursos estão disponíveis em: https://brasil.pmi.org/brazil/CertificationsAndCredentials.aspx.
O especialista em Engenharia de Valor é, necessariamente, engenheiro?
Luiz Geraldo Crespo Arruda – Não necessariamente. Cito como exemplo um movimento robusto nos Estados Unidos, da aplicação da Engenharia de Valor em sistemas de saúde. Lá temos as chamadas Nurse Value Analysis, que são as enfermeiras Analistas do Valor. Entretanto, devemos explicitar que a palavra engenheiro ou engenharia são de propriedade legal do Conselho Federal de Engenharia (CONFEA), ou seja, em termos de Direito, somente um engenheiro poderá ser engenheiro de valor, com tal registro de responsabilidade técnica se for graduado ou pós-graduado em titulação conferida pelo CONFEA. Já em termos de fatos, qualquer profissional poderá ser um analista do valor, desde que tenha o conhecimento, não deturpe a metodologia e esteja pronto para uma possível auditoria em seus trabalhos, que autentique que tal projeto realizado realmente é em projeto de Engenharia de Valor e não algo parecido.
Entrevistados
Engenheiro civil Luiz Geraldo Crespo Arruda, com especialidades em qualidade, tecnologia, produtividade, sutentabilidade e gestão de custos. É diretor da ELEGE Engenharia do VALOR & Sustentabilidade
María Esmeralda Ballestero-Alvarez, doutoranda em administração e docente de graduação e pós-graduação em disciplinas ligadas a planejamento estratégico, marketing, desenvolvimento gerencial e desenvolvimento de pessoas. Possui mais de vinte livros publicados.
Contatos:
elege@elegevalorsustentavel.com.br
www.elegevalorsustentavel.com.br
iecatsp@fei.edu.br
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Jornalista responsável: Altair Santos MTB 2330