A hora de defender a Petrobras, por Pedro Celestino
Com sólidos argumentos em defesa da Petrobras, o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, rebate críticas e posicionamentos de articulistas do jornal Valor que alimentam o propósito de ver o Pré-Sal ser “capturado pelas petrolíferas privadas mundiais”. A publicação foi veiculada em duas partes neste fim de semana, dias 12 e 13 de março, pelo blog tijolaco.com.br. Divulgamos, a seguir, a primeira parte postada no sábado, dia 12/03/2016, pelo jornalista Fernando Brito.
A partir da correta decisão do Governo federal em 2010, de mudar o regime de exploração do Pré- Sal, quando se atribuiu à Petrobrás a condição de operadora única, com percentual mínimo de 30% de participação nos blocos, a empresa passou a ser alvo de sistemática campanha para desqualificá-la e desvalorizá-la. Artigos como o publicado no jornal Valor em 22 de janeiro último, sob o título “A hora da verdade – reinventar a Petrobras” têm esse propósito, para que o Pré-Sal possa ser capturado pelas petrolíferas privadas mundiais. Basta observar a euforia do CEO da Shell diante da notícia que o Governo estaria disposto a flexibilizar as regras de exploração do Pré-Sal.
Os articulistas, dois ex-membros do Conselho de Administração da Petrobras, ambos representando acionistas minoritários predominantemente estrangeiros, qualificam a situação da empresa como dramática. Seus problemas teriam começado há mais de dez anos, mas a “insustentabilidade” só ficou evidente aos primeiros sinais de queda dos preços do petróleo.
Apontam quatro problemas:
1) política de preços suicida;
2) plano de investimentos “megalomaníaco”;
3) estrutura ideológica de protecionismo (conteúdo nacional);
4) aparelhamento de parcelas da companhia.
Os articulistas não levam em conta a importância estratégica da Petrobras para o desenvolvimento do Brasil, desde a sua criação em 1953. Esquecem que, ao longo do tempo, contrariando os críticos, a empresa descobriu óleo e gás em escala crescente e capacitou-se a refinar todo o petróleo consumido no país. E que, em seu entorno, constituiu-se um expressivo contingente de fornecedores, projetistas, empreiteiros e montadores, gerando centenas de milhares de empregos.
Por isso, criticam a política de preços. Almejam, sem dizê-lo, que eles estejam sempre alinhados aos preços internacionais para maximizar lucros, e não aos custos de produção, como deve ser em uma empresa estatal, para que os derivados, indispensáveis às atividades econômicas, tenham preços módicos. Não obstante, têm razão em criticar o congelamento de preços imposto pelo Governo federal à empresa, apesar de por ela alertado das indesejáveis conseqüências, pois a importação de combustíveis a preços maiores que os praticados no mercado interno causou-lhe grande prejuízo, além de desorganizar a produção de etanol no país.
A “megalomania” a que se referem possibilitou à empresa reverter a trajetória declinante iniciada após a quebra do monopólio em 1997. Os vultosos investimentos realizados após janeiro de 2003 criaram centenas de milhares de postos de trabalho em toda a ampla cadeia produtiva do setor deóleo e gás, possibilitaram o desenvolvimento de conhecimentos científicos, geraram novastecnologias, criaram mais oportunidades para as empresas de engenharia nacionais e estrangeiras aqui instaladas. Devolveram à Petrobrás seu papel histórico, o de ser um dos principais esteios do desenvolvimento econômico, social e tecnológico autônomo de nosso País.Produziram extraordinários resultados entre 2003 e 2013, atestados por rigorosas auditorias, atendendo às normas da SEC norte-americana (não nos esqueçamos que as ações da empresa são, desde a abertura do monopólio, negociadas em New York).
Quando investem contra a “estrutura ideológica de protecionismo”, os articulistas deixam clara sua posição contrária à exigência de percentuais crescentes de conteúdo nacional nas encomendas feitas pela Petrobrás. O argumento é simplório: produzir no Brasil é mais caro que no exterior. Não consideram a grande oportunidade trazida pelo Pré-Sal. Construir essas unidades no Brasil trará significativo aumento em nossa capacitação naval no setor petrolífero mundial, que se voltará inescapavelmente para aquelas lâminas d’ água, que são a última fronteira geológica prospectiva para hidrocarbonetos no planeta.
Divulgamos, a seguir, a segunda parte do artigo do presidente do Clube de Engenharia, rebatendo críticas e posicionamentos dos articulistas do jornal Valor, que “dão sugestões para o equacionamento da situação financeira da Petrobras, tendo, como sempre, a visão de mercado” e apontam um caminho para o país que, sob qualquer hipótese, se justifica: “reinventar a Petrobrás.”
A Petrobras deve? Deve porque tem petróleo para tirar
O aparelhamento de parcelas da Petrobrás, empresa constituída por mais de 80 mil profissionais concursados, é crítica que conduz inevitavelmente à exigência de atestado ideológico (neoliberal) para a assunção de qualquer cargo de direção na empresa. Não cabe em regime democrático, como ainda é o nosso.
Em seguida, os articulistas passam a dar sugestões para o equacionamento da situação financeira da Petrobras, tendo, como sempre, a visão de mercado. Não levam em conta o que está ocorrendo no setor petrolífero mundial, em virtude do jogo geopolítico das nações hegemônicas ocidentais nas regiões grandes produtoras de óleo e gás, principalmente no Oriente Médio, situação que apresenta sinais evidentes de instabilidade. Qualquer estimativa que se faça quanto à evolução desse quadro está carregada de incertezas.
A indústria petrolífera trabalha, planeja e decide a longo prazo. Os horizontes de implantação de novos projetos são da ordem dos 5 ou frequentemente 8, 10 anos. Consequentemente, não se sustenta qualquer análise de perspectivas para a indústria petrolífera que se baseie em preços conjunturais, como fazem os articulistas. A razão do endividamento da Petrobras ser maior que o das concorrentes é ter petróleo. Porque descobriu o Pré-Sal, endivida-se para produzi-lo, com lastro nas reservas descobertas. É endividamento que possibilita contínuo aumento da produção de petróleo, ao contrário das concorrentes, que ano a ano têm reservas e produção diminuídas. Este fato, aliás, é o que levou a Shell a, já na conjuntura atual de preços, comprar a BG por 75 bilhões de dólares para que, a partir da exploração do nosso Pré-Sal, aumente de 100.000 barris por dia para 500.000 bpd a sua produção de petróleo aqui nos próximos 5 anos.
A visão catastrófica que os articulistas transmitem acerca dos problemas da Petrobrás é desmentida pelo seu excelente desempenho operacional: bateu recorde de produção em 2015, o custo de extração no Pré-Sal está em torno de 8 dólares por barril, já produz cerca de 1.100.000 bpd no Pré-Sal e já tem no campo de Lula o principal campo produtor do País.
Acertam os articulistas nas críticas que fazem à atual diretoria da Petrobrás. Por carecer ela de visão estratégica, sendo conduzida infelizmente no momento por um pensamento tão somente financeiro e de curto prazo, açodadamente se propõe a reestruturar a empresa e a vender ativos,sem critério nem transparência.
Finalmente, aventuram-se a propor o esquartejamento da Petrobras, na contramão de todas as grandes petrolíferas, públicas ou privadas, que são integradas. Com isso, atendem ao mercado, interessado em tornar a empresa irrelevante.
A Petrobrás, com o lastro material de suas reservas totais, de cerca de 30 bilhões de barris de petróleo e gás, com sua mundialmente reconhecida competência técnica, tecnológica e operacional para produzir petróleo, tem todas as condições de renegociar suas dívidas, alongando seu perfil, principalmente através de instituições financeiras multilaterais de que participam países grandes importadores de petróleo, para os quais o compromisso formal de seu suprimento é estratégico.
Caberá, em última instância, ao Governo federal capitalizar a empresa, para que se preserve seu papel estratégico, fundamental para o nosso desenvolvimento. Nada efetivamente justifica “reinventar a Petrobras”. Pelo contrário, basta mantê-la íntegra e fortalecê-la para que possa continuar a cumprir sua missão na construção da grande nação brasileira.
(*) Pedro Celestino, Presidente do Clube de Engenharia.