Novas regras estimulam os leilões de concessão
InfraRoi
-
31 de março de 2017
1128 Visualizações
Nos últimos dias, três eventos sucessivos na área de infraestrutura mudaram a percepção do mercado em relação às perspectivas de novos investimentos no setor e à retomada de grandes obras no país. Em menos de uma semana, o governo de São Paulo realizou a licitação de um lote de rodovias no interior do Estado – o primeiro de quatro previstos para este ano –, a União concedeu quatro aeroportos ao setor privado e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) concluiu a concorrência para as consultorias que vão definir o modelo de privatização de seis companhias estatais de saneamento do Norte e Nordeste – o que também é apenas o começo, diante das outras 12 que aguardam a sua vez.
Em comum, as três licitações foram marcadas pelo sucesso, principalmente as duas primeiras, que despertaram o interesse de diferentes grupos investidores – ao contrário das projeções até então –, elevando o ágio nos leilões e a arrecadação obtida pelos poderes concedentes. O Estado de São Paulo no caso das rodovias e a União, nos aeroportos. Para especialistas do setor, a súbita mudança de humor do mercado não se deve apenas ao câmbio atual, que barateou os ativos brasileiros e criou mais um estímulo aos investidores estrangeiros. Ela também precisa ser atribuída a alterações nas regras do jogo.
Reunidos no Fórum Nacional de Concessões, Privatizações e PPPs, um evento realizado pela ViexAmericas em São Paulo e com apoio de mídia e cobertura integral do InfraROI, na última quarta-feira (22), os especialistas do setor apontaram algumas dessas mudanças que foram bem recebidas pelo mercado. “A redução do risco cambial, evitando a exposição do investidor internacional a oscilações da moeda, foi um fator determinante”, diz Rosane Menezes Lohbauer, sócia do escritório Madrona Advogados, especializado em concessões e privatizações.
Ela se refere ao mecanismo adotado nos dois leilões – de rodovias e aeroportos –, que estabeleceu um fundo para cobrir os riscos dos investidores diante de uma variação da moeda durante o período de concessão. Em compensação, se a oscilação cambial for positiva, ele deverá compensar o poder concedente, tornando a equação mais transparente para os dois lados. Medidas mais simples também contribuíram para atrair novos players internacionais, como o lançamento de editais trilíngues (em português, inglês e espanhol) e o maior prazo entre sua publicação e a data do leilão, o que permitiu uma análise mais apurada dos investidores quanto aos riscos e oportunidades.
A lista de ajustes nas últimas licitações incluiu a adoção de um sistema de gatilho para os investimentos do concessionário, que só serão realizados a partir de certo patamar de demanda. Com isto, o governo removeu um foco de litígios que marcaram alguns projetos no passado, com embates referentes a desequilíbrios econômico-financeiros nos contratos. Outra medida comemorada foi o maior prazo para pagamento das outorgas, aliviando o caixa dos investidores justamente nos anos iniciais da concessão, quando geralmente estão comprometidos com maior volume de investimento nos projetos.
A maior contribuição, entretanto, foi o aprimoramento na segurança jurídica, em contraste às gestões anteriores, nas quais as concessões e privatizações foram implantadas de forma “envergonhada”, na avaliação de alguns especialistas. “Para serem financiáveis, os projetos licitados precisam ser consistentes e com contratos bem estruturados”, pondera Alberto Faro, sócio do escritório de advocacia Machado Meyer Sendacz, que assessorou o consórcio ganhador da rodovia paulista e foi contratado pelo BNDES para a modelagem da privatização da companhia de saneamento do Sergipe.
Do ponto de vista dos usuários, algumas mudanças também ajudaram a melhorar o projeto. Este é o caso dos contratos que vão prorrogar o prazo de concessão das ferrovias, onde uma cláusula prevê o direito de passagem de terceiros nas linhas de trens do concessionário. A medida foi recebida com entusiasmo por grandes embarcadores de cargas, como produtores de grãos e mineradoras, como forma de estimular a competitividade no setor e reduzir os custos do frete, o que acaba gerando o conhecido “custo Brasil”.
Segundo Marco Aurélio Barcelos, diretor de assuntos jurídicos e regulatórios do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), órgão ligado diretamente à Presidência da República para estímulo às concessões e privatizações, a medida já era prevista nos contratos anteriores, mas não deixava claras as condições de compartilhamento. “Isto fez com que utilizássemos muito pouco este recurso, mas em breve teremos assinados os novos contratos com cláusulas mais detalhadas sobre o direito de passagem.”
Apesar da malha ferroviária brasileira ser caracterizada pela adoção de diferentes bitolas em cada trecho, o que inviabilizaria a medida, ele acredita que é possível implementar o conceito de compartilhamento da linha férrea nos novos contratos. “Todas as novas ferrovias foram projetadas com bitola de 1,6 metros, para proporcionar maior capacidade de carga, e em breve teremos um cenário no qual metade da nossa malha será em bitola larga e a outra metade na tradicional bitola métrica”, diz ele.
Para Charles Andrew Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), as novas regras contribuíram para viabilizar novas concessões em infraestrutura, mas o país ainda peca por adotar uma postura pouco amistosa em relação a investidores internacionais. “O ambiente regulatório mudou para melhor, mas ainda prevalece uma mentalidade que não é business friend.” Sua opinião merece atenção considerando-se o volume de investimentos chineses previstos para o setor (veja aqui).
Como exemplo, Tang cita a África, que após séculos de colonialismo e de uma relação comercial desvantajosa em relação a suas antigas metrópoles, tornou-se um celeiro para investimentos chineses. “A prova de que os recursos aplicados em infraestrutura se revertem em crescimento econômico, independente de sua origem, está nas nações africanas, pois com nossos investimentos no continente, cinco dos países que mais cresceram no mundo nos últimos anos são da África”, ele conclui.