Mobilidade urbana: sim; há o que fazer! (*)
“Reconhece a queda e não desanima,
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima”
[Ataulfo Alves e Mário Lago]
O Brasil, junto com USA, China e Rússia, é um dos 4 países do mundo que têm, simultaneamente, grandes territórios, grandes populações e grandes economias. Talvez isso contribua para que povoe nosso imaginário estarmos incluídos em qualquer TOP-10 que seja divulgado.
Mas não é o que normalmente acontece: já sabíamos que nossa logística era apenas a 55ª entre a de 160 países que compõe o “Logistics Performance Index – LPI” (2016); e nosso ambiente de negócios o 123º entre 190 do “Doing Business” (2017) - ambas pesquisas e índices do Banco Mundial.
Agora, segundo a 19ª pesquisa da conceituada Mercer; recentemente divulgada, que leva em conta 39 fatores, agrupados em 10 conjuntos, tomamos conhecimento que nossas duas principais cidades estão no pelotão de retaguarda das 231 cidades avaliadas em termos de qualidade de vida: Rio de Janeiro em 118ª e São Paulo em 121º. Na América Latina Montevidéu é a 1º (79ª na classificação geral); enquanto que no TOP-5 continental só incluímos uma: Brasília (4ª - 109ª no geral). Viena-Áustria ocupa o 1º lugar pelo 8º ano consecutivo.
Avaliações/comparações desse tipo são sempre polêmicas. Invariavelmente contestadas... principalmente por aqueles que não são listados no topo. De qualquer forma, vale como referencial para reflexões e, principalmente, para cotejamentos com variáveis/características daqueles que são apresentados como benchmarking.
No conjunto dos fatores avaliados, aqueles relacionados à infraestrutura (trânsito e transporte incluídos) têm peso destacado; razão pela qual na edição deste ano da pesquisa-Mercer a infraestrutura mereceu detalhamento e uma classificação específica: Cingapura é a 1ª. Chama atenção que no TOP-5 há 3 cidades alemãs (Frankfurt, Munich e Dusseldorf); enquanto que mesmo no TOP-10 não há nenhuma latino-americana.
Ante tais reluzentes referências, o que normalmente se observa entre nós é um misto de frustração e/ou de inveja. E o que chama atenção dos visitantes brasileiros é a tecnologia, os arranjos físico-operacionais, as ideias. Ou seja, aspectos que poderiam ser rotulados de “o que”. Aliás, isso reflete bem nossa prática no setor: a maioria dos nossos planos diretores, planos de mobilidade, planos estratégicos (muitos deles amarelando em prateleiras e gavetas, sem nunca terem sido implementados!) é uma combinação de dados e formulações de visões sobre “o que” deveria ser.
Para irmos além da frustração e/ou inveja, para rompermos a lamúria e o imobilismo, tão ou mais importante que o “o que” a ser observado nesses (bons!) exemplos é o “como”: como conseguiram chegar lá? Como conseguiram enfrentar/superar os gargalos encontrados no caminho? Como conseguiram articular as diversas variáveis, componentes e atores? Ou seja, o melhor instrumento para captar as lições não seria, metaforicamente, uma fotografia; mas sim um videoclipe!
Que tal procurarmos mapear as razões, nossas diferenças com as cidades/países benchmarking; entendermos nosso contexto, e procurarmos estabelecer uma estratégia para superá-lo? E, para que seja um trabalho consequente e consistente, há necessidade de que sejam mapeadas, sistematicamente, as principais etapas/setores por que passam planos, projetos e empreendimentos infraestruturais entre a intenção e a consecução. 17, pelos menos: marco regulatório; estudo de mercado; concepção (02); planejamento (02; 03); projeto de engenharia; negociação com stakeholders”; autorizações ; licenciamento ambiental (01; 02; 03); modelagem; licitação; estruturação de funding; implantação; operação; manutenção; comercialização; gestão; e regulação.
Seul-Coréia, apesar de ainda ocupar uma posição intermediária na pesquisa-Mercer (76ª lugar), pode ser um bom “case”, uma boa referência se pretendemos uma inflexão no trânsito e transporte das metrópoles brasileiras: desde logo pelo que foi visto pela comitiva do prefeito paulistano e destacado pela imprensa nos últimos dias; em particular pela matéria do enviado especial da FSP que acompanhou a missão: “Velocidade para ampliar metrô em 'metrópole irmã' é 4 vezes a de SP”. Ela é repleta de dados:
São Paulo e Seul são municípios e regiões metropolitanas com populações aproximadamente da mesma ordem de grandeza: 11 e 20 e poucos milhões de habitantes, respectivamente. Ambas inauguraram sua primeira linha de metrô em 1974 (há 43 anos, portanto). Ambas sediaram eventos esportivos mundiais nesse ínterim. A matéria não destaca uma outra coincidência: ambos os países acabaram de passar por impeachment; no caso, também coincidentemente, duas presidentes (Ups! “presidentas”!).
A partir daí começam as diferenças entre as duas “cidades gêmeas”; sempre com Seul à frente;: 327 X 78 km de rede (apesar de SP ter 258 km de trens metropolitanos – CPTM; algumas linhas com padrão de serviço similar ao Metrô); 9 X 6 linhas (CPTM: 6); 302 X 68 estações (CPTM: 92); 6,9 X 4,7 milhões de passageiros transportados por dia (CPTM: 2,7 milhões) – o que indica ser a rede paulistana mais densa.
Se comparado com a China, a diferença fica ainda mais gritante: em 2016 foram inaugurados 480 km de metrô nas suas diversas metrópoles (6 vezes mais que a malha paulistana)!
Todavia, mais até que esses reluzentes dados e imagens, certamente o que de mais útil podemos colher em Seul, e com ela aprender é seu processo de transformação. E sou testemunha pessoal: a primeira vez que ali estive foi pouco depois da inauguração da 1ª linha do metrô. Era um caos! Fazia lembrar esses vídeos de cidades do sudeste asiático, que de vez em quando circulam pela internet. 4 décadas depois o cenário está completamente mudado.
Isso: processo! O “como”!
A matéria, indo além do habitual das coberturas jornalísticas sobre o tema, ensaia uma explicação do porquê das diferenças entre Seul e as metrópoles brasileiras – SP particularmente: “Embora a evolução da renda nos dois países tenha tido rumos distintos nas últimas décadas, os fatores para explicar essa disparidade no ritmo de expansão do metrô vão muito além da falta de dinheiro, ainda que esse seja um dos pontos a serem considerados. Os motivos passam por decisões políticas de diferentes instâncias de governo, participação federal pesada nos investimentos, parceria privada já consolidada, trâmites burocráticos simplificados, menor dificuldade para obras nas ruas e soluções criativas”.
E acrescenta exemplificativamente a matéria: parceria entre o governo local e federal (que banca 40% dos investimentos); participação da iniciativa privada desde o início; segurança jurídica para PPPs; processo menos complexo para desapropriações (e/ou “apropriações”!); receitas acessórias significativas; previsibilidade de cronogramas e, também, de licenciamentos ambientais; e agilidade para contratações.
Certamente todos e cada um desses fatores, bastante distintos dos que estamos aqui acostumados, contribuem para a dificuldade de se implementar infraestruturas que melhorem a mobilidade das cidades brasileiras. E, como decorrência, de suas qualidades de vida.
Nesse momento em que os diversos aspectos/áreas da sociedade e das instituições brasileiras estão sendo repensados, 3 sugestões para o subsetor de trânsito e transporte urbano/metropolitano: i) Universidades, centros de pesquisa e entidades do setor dariam grande contribuição à mobilidade das metrópoles brasileiras dedicando-se a mapear e analisar o que nos difere das cidades consideradas benchmarking; ii) De igual forma, os diversos eventos (congressos e seminários) programados para os próximos meses se dedicassem espaço privilegiado para debate dessas lições; dessas questões; iii) Os planos (diretores, de mobilidade, estratégicos, etc), a serem desenvolvidos e/ou contratados doravante, deveriam incluir em seus diagnósticos, obrigatoriamente, um capítulo dedicado aos gargalos para implementação; e, também, um Tomo-II, específico e destacado: este dedicado ao “como” (implementar-se o “o que” é proposto em seu Tomo-I).