Saneamento básico e a função social do engenheiro
O crescimento exponencial tecnológico atingido nas últimas décadas é sem dúvidas o maior legado das grandes pesquisas e investimentos na ciência. No entanto, é lamentável que este crescimento tenha se dado de forma não conforme, se compararmos as várias regiões do nosso país, criando zonas habitadas que não sustentam o mínimo de dignidade para a condição da vida humana.
Um relatório do Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente – PNUMA (2013), com o nome de Sick Water? The Central role of wastewater management in sustainable development (“Água doentia? O papel central da gestão de águas residuais no desenvolvimento sustentável”, em tradução livre), levanta dados bastantes duros com relação a falta de saneamento. Os dados indicam que “em todo mundo, mais da metade dos leitos dos hospitais estão ocupados por pessoas que sofrem de doenças relacionadas à água contaminada e que, são constatadas mais mortes de pessoas devido ao consumo de águas poluídas do que por mortes violentas, incluindo guerras”. (STEINER; TIBAIJUKA, 2013, p. 5, tradução nossa).
Números alarmantes
O Instituto Trata Brasil analisou a média do tratamento de esgoto nas 100 (cem) maiores cidades brasileiras e descobriu que apenas 50,26% destes são tratados, tendo a região Norte o pior índice (16,42%) e o Centro-Oeste a maior porcentagem de tratamento de esgoto de todo país (50,22%), o que ainda está longe de ser o ideal, pois não atinge nem metade da população desta região.
Em todo o país, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto, o que faz do Brasil amargar a 112ª posição num ranking entre 200 países, ficando atrás, surpreendentemente, de nações como Arábia Saudita, Egito e até mesmo a Síria, atualmente assolada por uma guerra civil.
Somente no ano de 2013, as capitais brasileiras lançaram na natureza 1,2 bilhão de m³ de esgoto, o equivalente ao volume de 480 mil piscinas olímpicas, o que – se fosse tratado – seria suficiente para abastecer uma cidade de 200 mil habitantes durante 30 dias, com consumo de 200 litros/habitante/dia.
A política pública
Em pleno século 21, as políticas públicas implantadas no Brasil ainda insistem no descaso para uma realidade tão vergonhosa. Em “O saneamento Básico, a vacina que o Brasil ainda não desenvolveu”, o Instituto Trata Brasil relaciona a falta de saneamento básico à crise hídrica vivida pela região Sudeste, considerando o lançamento dos esgotos nos leitos dos rios, tornando as águas insalubres para a utilização humana, agravando a escassez por um recurso natural básico.
Desta forma, a necessidade por água força as autoridades a buscar fornecedores cada vez mais distantes do ponto de utilização e onerando os custos para tal manobra, esquecendo que o esgoto que jogamos fora é apenas água que pode ser tratada.
O papel do engenheiro
É diante deste contexto de má utilização ou não reutilização dos recursos naturais que deve se enquadrar também o engenheiro, sobretudo na tentativa de diminuir cada vez mais a lacuna que separa a realidade do ensino tecnológico e a realidade do povo brasileiro, como afirma o Prof. Dr. João Cirilo:
“Para que isso seja possível, é preciso mudar a filosofia da maioria dos cursos, que na maioria dos casos, está direcionada para atender projetos específicos para atendimento de grupos isolados.”
Bom exemplo
Uma solução neste sentido e extremamente eficaz está sendo adotada no estado da Bahia, dentro da Universidade Católica do Salvador. Trata-se da implantação do Escritório Público de Engenharia Civil (EPUCSAL), voltado para capacitação dos alunos na concepção e viabilização de projetos de interesse social, levando o estudante de engenharia a entender a realidade das comunidades de baixa renda de Salvador e provocando-o a buscar mudanças naquele meio.
Os alunos serão orientados para que seus projetos resultem na melhoria da qualidade de vida, elevando o nível de segurança, ciência e regularidade das habitações populares e equipamentos urbanos, de modo a ampliar a autoestima de seus usuários.
Portanto, o engenheiro tem por obrigação utilizar os conhecimentos adquiridos dentro da universidade para criar soluções funcionais e economicamente viáveis que se enquadrem à realidade dos brasileiros, atingindo principalmente aqueles que estão em regiões periurbanas, às margens do poder público. O olhar diferenciado dos profissionais da área é essencial para diminuir cada vez mais a lacuna que separa as tecnologias à realidade da nossa sociedade.