Em São Carlos, alunos de engenharia levam tratamento de esgoto a áreas rurais
O saneamento ambiental, apesar de se tratar de um direito constitucional básico, não faz parte da realidade de todas as famílias brasileiras. Como costuma ocorrer com boa parcela dos serviços públicos, o pior cenário se encontra nas áreas rurais. Entre os habitantes do campo, apenas 5,2% têm em suas casas serviço de coleta de esgoto, segundos dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2012.
A assistência ao campo deve levar em conta as especificidades desse espaço. Em relação ao saneamento, o ambiente rural requer uma abordagem própria, diferente da convencionalmente adotada nas áreas urbanas. Foi pensando nisso que um grupo de alunos da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP passou a planejar projetos de tecnologias sociais para o Assentamento Comunidade Agrária Nova São Carlos.
Lara Ramos, uma das responsáveis pelo assentamento, avalia que “os problemas sanitários estão no meio de um contexto de várias outras lacunas e serviços não realizados pelo poder público”. Por isso, em iniciativas como a proposta pelos alunos da EESC, é importante que as tecnologias implementadas sejam simples e de baixo custo, para que o acesso a elas seja amplo e os próprios beneficiados possam cuidar de sua instalação e manutenção.
Inspirada em modelo da Embrapa, fossa séptica biodigestora por bombonas foi implementada com outros materiais para reduzir seu custo
O Grupo de Estudos e Intervenções Socioambientais (Geisa) da USP é o responsável pela idealização e realização dos projetos. Trata-se de um grupo de extensão que surgiu no curso de Engenharia Ambiental da EESC em 2009 e hoje conta com alunos de vários outros cursos. “O Geisa atua nas frentes de educação ambiental, agroecologia, bioconstrução, compostagem e tecnologias sociais, buscando dialogar com as demandas da sociedade”, conta Lara.
Os projetos de tecnologias sociais no Assentamento Comunidade Agrária Nova São Carlos tiveram início em 2013, quando começaram as visitas aos lotes, as conversas com as famílias e o contato direto com a realidade da zona rural. Em 2015, se consolidou o primeiro projeto, com a construção de um banheiro seco em um terreno, com a participação direta da família que nele reside.
“A participação direta dos assentados é um princípio nosso para todas as oficinas. Isso se justifica pelo fato de que são eles que vivenciam e entendem de toda a dinâmica do local, além de que serão eles que irão monitorar diariamente a tecnologia”, conta Lara.
O banheiro seco é uma alternativa ecológica ao tratamento dos dejetos humanos, na qual as fezes são separadas da urina: se armazenam as fezes em um local sem contato com o ambiente externo, e a urina é encaminhada a um sistema fechado de tratamento de águas residuais.
Em 2016, em outro lote, foi construída uma fossa séptica por bombonas. As fossas são unidades de tratamento de esgoto doméstico nas quais são feitas a separação e a transformação físico-química da matéria sólida contida no esgoto. Apesar de ser uma boa alternativa às residências desassistidas, as fossas não são como numa estação de tratamento de esgotos.
O último projeto, finalizado em 2017, resultou na construção de um tanque de evapotranspiração. Nesse sistema, a água do vaso sanitário é tratada através da digestão realizada pelas bactérias que vivem e se multiplicam no esgoto. As plantas também são fundamentais no sistema, já que elas que se aproveitam da água que vem com a descarga e do “adubo” produzido pelas pessoas. Como resultado desse processo, além do esgoto doméstico ser tratado, água e alimentos são gerados – pela evaporação do solo e das folhas e pelos plantas que dão frutos.
Desde 2013, grupos de estudos e debates aprofundam a discussão a respeito dos aspectos sociais, culturais e ambientais que envolvem o meio rural e os assentamentos. Para Lara, o Geisa cumpre com o papel social da Universidade, na medida em que possibilita a construção de novos conhecimentos a partir de demandas reais de pessoas historicamente invisibilizadas.
“Analisando quantitativamente, construímos três tecnologias em três anos. Para um grupo de estudantes com todas as limitações – dinheiro, apoio, carga horária excessiva, é excelente”, avalia Lara. A aluna conclui dizendo esperar que projetos como esse possam um dia embasar políticas públicas que atendam às demandas da população.