Itália propõe à França seu know-how para restauração da Notre-Dame
RFI
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18 de abril de 2019
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Depois do incêndio na última segunda-feira (15) na Catedral de Notre-Dame de Paris, diversos países manifestaram solidariedade à França. A Itália ofereceu apoio para a reconstrução do monumento. O ministro da Cultura italiano, Alberto Bonisoli, anunciou a disponibilidade de enviar especialistas que já enfrentaram situações de emergência semelhantes.
Gina Marques, correspondente da RFI em Roma
A Itália é o país que possui o maior número de patrimônios artísticos da UNESCO no mundo, com 54 monumentos na lista em 2018. O país, em permanente risco sísmico, sofreu ao longo da história vários terremotos, mas também incêndios e inundações que destruíram parcialmente vários prédios. Por isso, a formação profissional de restauradores, arquitetos, engenheiros e historiadores no país inclui estudos específicos para a reconstrução de monumentos atingidos por desastres.
O patrimônio artístico italiano é muto antigo, com construções da mais de dois mil anos, anteriores ao Império Romano, e depois, de todas as épocas, desde a Idade Média, o Renascimento, o Barroco, o Neoclássico até o moderno. Portanto, os especialistas italianos têm competência para ajudar outros países, neste caso a França.
“Hospitais de arte”
O braço quebrado de uma escultura ou o buraco na tela de um quadro pedem tratamentos especiais. Na Itália existem os chamados “hospitais de arte” para as obras vítimas de terremotos. Nestes grandes armazéns com estruturas protegidas e antissísmicas, as peças são “internadas” para serem restauradas.
As equipes de especialistas trabalham como médicos. Todo o material recuperado é catalogado em cartelas clínicas, nas quais constam a possível idade, lugar de nascimento e a filiação. A maioria das peças é de arte sacra: quadros, estátuas, crucifixos, castiçais e sinos. Muitos deles pesam mais de uma tonelada. Tudo estava dentro de igrejas das diversas cidadezinhas que foram atingidas pelos sismos.
Mais de 16 mil peças recuperadas
Nos terremotos de 2016 que atingiram o centro da Itália, dois principais hospitais da arte trabalharam intensamente. Na cidade de Spoleto, na região da Úmbria, estavam 6.400 peças e em Cittaducale, na região do Lácio outras 2.835 obras. Segundo Cristina Collettini, arquiteta do ministério da Cultura, a quantidade total de material recuperado chegou a 16 mil peças.
Os danos destes últimos grandes terremotos Itália em 2016 foram calculados entre € 20 e 25 bilhões, dos quais pelo menos € 7 bilhões se referem aos bens culturais.
Nos armazéns encontram-se também os estilhaços de afrescos que ornamentavam paredes e tetos de antigas construções. Esta iconografia preciosa muitas vezes é o único registro sobrevivente de uma época passada, destruída no presente. Os restauradores têm que identificar pedacinho por pedacinho de cada afresco fragmentado das paredes. Como um quebra-cabeça, a recomposição dos estilhaços se baseia em fotografias dos locais atingidos.
O trabalho dos especialistas começa recolhendo cada pedaço dos afrescos e de outras peças como esculturas e pinturas. A primeira etapa é feita com ajuda dos bombeiros, pois em muitos casos, os locais abalados pelos terremotos ainda são perigosos e podem desmoronar a qualquer momento. Mas para eles, salvar a arte vale o risco, representa o afeto pela terra, pela família e pela memória.
Basílica de Assis desabou como o da Notre-Dame
A Basílica de São Francisco de Assis, na região da Úmbria, é a principal igreja da Ordem Franciscana e também um Patrimônio da Humanidade. A construção da basílica começou logo após a canonização de Francisco em 1228, durante a Idade Média. Esta igreja foi seriamente danificada pelos terremotos que ocorreram no centro da Itália em 1997. Na ocasião, o teto superior da igreja desabou, matando quatro pessoas, dois religiosos e dois técnicos.
Cerca de 130 metros quadrados de afrescos medievais de grandes artistas como Giotto e Cimabue foram reduzidos a fragmentos. Claro que os efeitos colaterais de um terremoto são diferentes de um incêndio. Porém, a Basílica de São Francisco e a Catedral de Notre-Dame são construções do mesmo período gótico medieval. Em ambos os casos, o teto desabou.
A basílica em Assis permaneceu fechada por dois anos e o trabalho de reconstrução arquitetônica da estrutura reproduziu as técnicas usadas sete séculos atrás. A restauração completa demorou 9 anos, envolveu dezenas de especialistas e custou cerca de € 37 milhões. Na época foi chamada de “o canteiro da utopia”.
Mesmo coma reconstrução, a basílica nunca mais será a mesma. Segundo os especialistas italianos, o desastre deixa marcas na história do monumento, sinais que devem ser preservados. Reconstruir como era antes, seria uma mentira.
Renascendo das cinzas
Incêndios destruíram vários monumentos italianos ao longo da história. Os mais recentes são salas de teatro.
O Teatro Petruzzelli, em Bari, construído em 1903, sofreu um incêndio doloso em outubro de 1991. Neste caso o desabamento da cúpula acabou sufocando as chamas e impedindo a completa destruição. As investigações atrasarem os trabalhos de reconstrução que demoraram 18 anos.
O Teatro La Fenice, em Veneza, construído em 1792 foi destruído e reconstruído duas vezes por dois incêndios, em 1836 e 1996. O último teve origem criminosa e a reconstrução demorou 8 anos. Vale lembrar que o nome Fênix se refere a um pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em autocombustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas.
Incêndio na Capela do Sudário de Turim
Em 1997, pouco antes da meia-noite na sexta-feira 11 de abril, um incêndio atingiu a Capela do Santo Sudário, que fica entre a Catedral de Turim e o Palácio Real. A capela barroca projetada por Guarino Guarini no século 17 foi devastada e as chamas se alastraram até a torre noroeste do palácio.
Muitas obras de arte foram destruídas. Os bombeiros só conseguiram controlar as chamas depois de muitas horas. O Sudário não foi afetado. Por causa das obras de restauro, ele havia sido temporariamente transferido para o centro do coro da Catedral, atrás do altar principal. A capela foi reconstruída e só foi reaberta em 2018.