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A ciência invisível contra desastres ambientais

Thaís Augusto - CanalTech - 17 de maio de 2019 1648 Visualizações
A ciência invisível contra desastres ambientais

Na madrugada de 20 de abril de 2010, o Golfo do México se tornaria o palco do maior desastre ambiental da história dos Estados Unidos. Foi quando a plataforma Deepwater Horizon, operada pela British Petroleum (BP), explodiu com mais de 120 funcionários a bordo. Onze pessoas morreram e mais de 750 milhões de litros de petróleo vazaram no mar.


O desastre colocou em risco a vida marinha da região e formou uma enorme mancha negra na água – com uma área equivalente a 11x a cidade do Rio de Janeiro. Durante 87 dias, o petróleo permaneceu contaminando o mar até que uma das tentativas da BP para conter o vazamento deu certo.

Desde então, a ciência passou a estudar a aplicação da nanotecnologia como solução para o tratamento de áreas contaminadas por acidentes ambientes de derramamento de petróleo. Uma das estruturas desenvolvidas em laboratório carregam nanopartículas magnéticas que conseguem se misturar ao petróleo presente na superfície, permitindo a remoção de manchas por uma esteira magnética colocada dentro da área de contenção.
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Pelicano coberto de óleo após acidente no Golfo do México. Animal foi encontrado na Louisiana (Foto: Reuters / Sean Gardner)
 
Outras aplicações usam nanocompósitos com alta capacidade de absorção e que conseguem flutuar na água sem se molhar. Os materiais acabam funcionando como uma superesponja de retenção de hidrocarbonetos (moléculas que contêm carbono e hidrogênio) – composto orgânico presente no petróleo.

Além de uma boa alternativa para driblar desastres ambientais, a nanotecnologia também virou a queridinha da indústria petrolífera. Isso porque nanopartículas e nanomateriais podem ser usadas para potencializar a exploração de poços. Sem a tecnologia, empresas conseguem extrair menos de 40% do óleo de um reservatório, mas a nanotecnologia aplicada em interfaces porosas das rochas, por exemplo, pode aumentar a pressão natural do poço e resultar em uma produção maior.

Usando a nanotecnologia, o aumento de apenas 1% da produção de petróleo significa um acréscimo diário de quase um milhão de barris de óleo em todo o mundo.

Atualmente, o petróleo é um protagonista na engrenagem que mantém o mundo funcionando: o óleo é o principal responsável pela geração de energia elétrica no planeta e também serve como combustível para os automóveis. O mundo é viciado em petróleo. Tão viciado que se tivéssemos hoje a solução para todo o problema energético mundial não poderíamos aplicá-la. Seria uma catástrofe”, comentou Edson Leite, diretor científico do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), laboratório responsável pelo acelerador de elétrons brasileiro, Sirius.

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Painel solar consegue converter a luz do Sol em energia elétrica (Foto: Pixabay)
 
Ele diz que o desemprego seria apenas um dos primeiros impactos de um mundo sem petróleo, mas a predominância do óleo deve desaparecer no futuro. De repente, você vai perceber que tem um painel solar extremamente eficiente na sua casa e que o custo de energia elétrica caiu. As baterias também vão melhorar e serão criadas as baterias de sódio e de outros metais abundantes: agora, em vez de gerar CO2 [com os carros tradicionais], as pessoas comprarão carros elétricos e os híbridos, afirma Leite. Essas tecnologias entrarão devagar. Daqui a 20 anos, você vai olhar e perceber que as coisas mudaram, assim como aconteceu com a revolução do celular.

A nanotecnologia também caminha para evitar outros problemas ambientais. A ciência está criando nanopartículas que além de biodegradáveis se desfazem com mais rapidez no meio-ambiente ou se transformam em outra coisa, conta o professor da FGV, Arthur Igreja. Ela também busca resolver o problema dos mares para não os transformarmos em verdadeiros lixões.

No caso dos oceanos, a nanotecnologia está criando soluções com os nanocompósitos para absorver poluentes da água, como metais, hormônios, agrotóxicos, inseticida e outros contaminantes. O processo tornaria mares mais limpos.

Também existem iniciativas para transformar a água salgada em potável. Pesquisas em estado avançado mostram alternativas com a nanotecnologia para a remoção de sais da água do mar, onde filtros à base de grafeno conseguiriam reter os íons da água, funcionando como uma peneira.

Já no quesito sustentabilidade com a nanotecnologia, sai na frente a construção civil – setor que vem criando alternativas para reduzir o desperdício de água, expandir as áreas verdes e a produção de energia solar.

Neste caso, materiais e superfícies com nanopartículas estão sendo usados para a construção de prédios e arranha-céus. A tecnologia pode viabilizar, por exemplo, a criação de vidros autolimpantes que dispensam a água na hora da faxina. Por trás do vidro, células solares à base de nanopartículas poderão captar a luz do sol para gerar energia ao prédio.

No CNPEM, os pesquisadores Diego Martinez e Mathias Strauss estudam o uso do biocarvão (um nanocompósito) como uma solução para degradar mais rapidamente o lixo plástico e reduzir os impactos do material no meio-ambiente. Nos testes, estão sendo usados resíduos plásticos contendo nanopartículas de prata, aquelas usadas em embalagens para aumentar a resistência microbiológica de alimentos.

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Biocarvão aplicado no solo pode acelerar degradação de plástico (Foto: Divulgação / CNPEM)
 
De acordo com os pesquisadores, o material foi escolhido porque a nanopartícula de prata acaba tornando mais lenta a degradação do plástico após o descarte no solo. Atualmente, a partícula tem sido usada em cerca de 30% dos produtos nanotecnológicos fabricados no mundo.

Nosso trabalho mostrou que, após 30 dias, um plástico biodegradável contendo nanopartículas de prata se decompôs apenas 5%, contou Strauss. Até agora, a pesquisa indicou que colocar o biocarvão em solo tropical agriculturável acelera a decomposição do plástico de duas a três vezes.

É a primeira vez no mundo que um estudo conseguiu comprovar o efeito positivo do biocarvão no solo para a decomposição de plástico com nanopartículas de prata. Este tema é parte estratégica do nosso grupo de pesquisa no âmbito de tecnologias para remediação de solos. O solo é um recurso fundamental para o bem-estar e saúde da população, disse Strauss.

De acordo com o pesquisador, o biocarvão no solo também pode agilizar a decomposição de qualquer plástico biodegradável.

O biocarvão foi produzido pelos pesquisadores do CNPEM a partir do bagaço da cana-de-açúcar, uma biomassa abundante que soma 200 milhões de toneladas por ano no Brasil. O material foi obtido a partir da pirólise, a queima da matéria orgânica da biomassa em altas temperaturas sem a presença de oxigênio – o processo preserva a estrutura da matéria orgânica, o que torna possível que ela atue no solo como uma “espécie de esponja”, capaz de absorver determinadas substâncias poluentes.

A pesquisa conduzida por Strauss e Martinez começou em 2014 com o estudo do biocarvão para a descontaminação de água. Desde então, a pesquisa evoluiu. Atualmente, estamos focados nos aspectos fundamentais da adição de nanomateriais em solo e seus efeitos, explicou Strauss. O solo é uma matriz bastante complexa e que precisa ser estudada de maneira aprofundada se quisermos entender o que ocorre nestes sistemas quando são descartados nanomateriais neles.

Ele conta que o acelerador de elétrons Sirius permitirá que a pesquisa alcance um novo patamar e compreenda melhor as interações dos nanomateriais com o solo. Este entendimento aprofundado será o subsídio para o desenvolvimento de novas tecnologias envolvendo nanomateriais em solo para a agricultura, por exemplo. Ou então a compreensão e mitigação dos riscos associados ao descarte de determinados materiais no solo, contribuindo para o desenvolvimento de propostas de gestão de riscos.

O Sirius foi criado no Brasil pelo CNPEM e é o segundo do mundo com a tecnologia de quarta geração. Com o acelerador, pesquisadores conseguem enxergar a interação de nanopartículas com células como se fosse uma TV em tempo real.