O uso de resíduo cerâmico na composição do concreto
A utilização de resíduo cerâmico em substituição ao agregado miúdo tradicional na composição do concreto apresenta uma boa alternativa para solucionar parte do problema do descarte e redução de custos. Porém, qual percentual a ser utilizado de forma que não se perca qualidade na fabricação de cimento Portland? E quantos testes para tal verificação é necessário realizar para chegar a um número confiável? A simulação de resultados pode auxiliar na solução.
Fabiano Roberto Santos de Lima
Julia de Souza Barcellos
É indiscutível a importância que a indústria cerâmica tem para a economia nacional. Dados da CNI [1], revelam que ela representa 21% do PIB nacional, responde por 51% das exportações, 68% das pesquisas e desenvolvimento do setor privado e por 30% dos tributos federais. De um modo geral, a expansão acelerada do setor industrial trouxe como consequência o aumento de resíduos industriais.
O avanço tecnológico e a diminuição da vida útil de cada produto, promoveu um aumento de resíduos poluidores dos mais diversos tipos, como polímeros, aço, componentes químicos, cerâmica, e outros [2]. Em particular, a indústria de cerâmica brasileira tem participação no PIB nacional da ordem de 1,0% com relatos de que o setor ampliou em 12% as exportações e cresceu 1,5% em vendas no mercado interno, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Revestimentos Cerâmicos [3].
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais [4] foram coletados cerca de 71,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos no Brasil, sendo cerca de 42% destinados a lixões que não possuem a gestão necessária para que não seja causado danos ao meio ambiente. Os resíduos industriais podem ser usados como agregados alternativos em composições e podem ser compostos de resíduos cerâmicos [5] que tem perda de 3% de toda produção nacional.
A literatura revela que a utilização de 30% de resíduo cerâmico em substituição ao agregado miúdo tradicional na composição do concreto apresenta características mecânicas positivas, podendo ser utilizada em estruturas pré-moldadas e pisos de revestimento [6]. É possível encontrar estudos que revelam dados de empresas que chegam a 100% de reaproveitamento, conseguindo uma economia considerável com a redução de até 30% nos custos.
Mas quais características mecânicas serão de fato positivas? Mesmo havendo mudanças nos lotes dos resíduos, deve-se verificar a viabilidade da utilização dos resíduos analisando os resultados de ensaios de compressão como tensão na ruptura, carga na ruptura e módulo de elasticidade.
Para dar maior confiabilidade nos ensaios, é importante realizar um número suficientemente grande de amostras com o máximo de lotes diferentes e coletar seus resultados, porém, dado limitações de tempo e custos associado aos testes, muitas vezes isso não é possível. Neste sentido, a projeção de resultados com eventos aleatórios a fim de determinar as chances de obtenção do melhor resultado nos testes é particularmente útil.
Partindo deste ponto, neste estudo foi realizado a Simulação de Monte Carlo que consiste basicamente em gerar uma quantidade n de sucessivas amostras em termos de resultados de testes de tensão na ruptura e módulo de elasticidade (variáveis aleatórias) que serão, então, testadas em um modelo estatístico que, em verdade, vem a ser uma distribuição de probabilidade para um determinado resultado de capacidade dos testes.
O método é particularmente útil neste projeto para que possam ser avaliadas possíveis características mecânicas dos resíduos, já que há mudanças em algumas varáveis que podem alterar os resultados obtidos, como por exemplo mudanças nos lotes dos resíduos utilizados nos testes e a calibração dos equipamentos que podem influenciar na viabilidade do uso destes resíduos. Foram utilizados os dados provenientes do ensaio de compressão ABNT [7].
Os materiais utilizados nas composições são: areia, pedra, cimento, água e caco de louça, resíduo cerâmico obtido de uma indústria de louças sanitárias. Foi adicionado à composição compondo traços de 10%, 20% e 30% segundo a NBR 5738. O ensaio de compressão foi realizado com o auxílio de uma máquina que possui duas placas de apoio, uma fixa e uma móvel.
O corpo de prova foi posto entre as placas e durante o ensaio, as placas pressionam o material e a partir disso, foi criado um gráfico de tensão x deformação, conforme Figura 1. Os resultados estão expressos diferentes das respectivas normas American Society for Testing and Materials (ASTM) escolhidas para a execução e avaliação mecânica, ao qual é baseada na mediana dos valores, e é incluído o desvio padrão para cada amostra.
A abordagem deste estudo, contudo, utiliza, a partir da variabilidade dos cinco corpos de prova por amostra nos parâmetros da NBR 5738, a distribuição normal por ser uma distribuição de probabilidade contínua parametrizada pela esperança matemática de um valor real µ e seu desvio padrão ??. As dispersões em torno do resultado esperado foram capturadas a partir de simulação estocástica, o qual ofertou um grande número de possibilidades considerando os dados existentes.
De acordo com os resultados de tensão na ruptura encontrados, observa-se que a adição de 30% de resíduo cerâmico promoveu melhora significativa quando comparado às demais composições. É importante ressaltar que o aumento da tensão na ruptura dos novos traços podem estar associados à forte interações moleculares do caco de cerâmica reaproveitada, assim como a elevada organização na estrutura, promovendo o aumento da resistência mecânica.
Figura 1 : Resultados dos testes de módulo de elasticidade e tensão na ruptura
Fonte: Elaboração própria
Os resultados de módulo elástico, em linhas práticas, mostram o quanto o corpo de prova resistiu antes que houvesse uma fissura no corpo de prova. A partir desses dados foi calculado o módulo de elasticidade. O teste representou uma melhora significativa com a adição de 30% de resíduo, obtendo uma melhora significativa na variação dos valores mínimo e máximo.
A partir dos resultados observados nos dois ensaios anteriores, foi possível identificar a quantidade de iterações () a serem realizadas com base nas médias, nos desvios padrões e no erro () admitido. A tabela 1 apresenta o resultado da quantidade mínima ideal para cada simulação a ser realizada, com base no modelo para determinação de (Equação 4).
Tabela 1: Resultados do controle de parâmetros
Fonte: Elaboração própria
Com estipulação de 7.380 iterações, e admitindo que os resultados possuem distribuição normal em torno da média, foi utilizado a função=INV.NORM(ALEATÓRIO( ); µ;?? ) O inverso da distribuição cumulativa normal é uma probabilidade de resultados com base na média µ e no desvio padrão ??. Utilizou-se para µ a média dos cinco resultados obtidos em cada teste e para ??, o desvio padrão pra cada prova) no MS Excel® para geração dos resultados pseudoaleatórios.
A Tabela 2 mostra os valores obtidos a partir da simulação de Monte Carlo dos resultados de tensão na ruptura, no qual, o mesmo procedimento foi adotado para obtenção de resultados para o modo elástico.
Tabela 2: Simulação estocástica para resultados de tensão na ruptura
Fonte: Elaboração própria
A partir dos números gerados (Tabela 1 – Por questões óbvias, não é possível demonstrar todas 7.380 iterações, sendo apresentadas neste artigo apenas as dez primeiras simulações de resultados), procedeu-se a análise de forma a quantificar os possíveis resultados dos corpos de prova. A análise foi desenvolvida verificando a probabilidade de os resultados das simulações serem maior que a média apresentada pelos resultados reais obtidos com os ensaios de compressão.
Posteriormente, de a probabilidade ser maior que o melhor resultado do ensaio real, seguindo, de a probabilidade de os resultados obtidos com a simulação serem menor que o pior resultado obtido pelo ensaio real e, por fim, a probabilidade de os resultados serem maior que 17 MPa – parâmetro que simboliza o menor número encontrado entre os melhores resultados reais obtidos. A probabilidade de os resultados encontrados com as simulações serem maior que a média, em todos os casos, são de aproximadamente 50%.
Ao analisar a probabilidade dos testes apresentarem resultados menores que o pior resultado real obtido ficou com a composição de 30% de resíduos – 12,28% de chances, enquanto para os outros a probabilidade foi maior. Foi verificado também a probabilidade de ser maior que 17 MPa (o melhor resultado obtido nos testes reais), e nesse parâmetro o melhor resultado foi obtido pela composição com 20% de caco, que apresentou 17,85% dos resultados, seguido pela composição de 30% que se repetiu em 9,57% dos casos.
Procedeu-se para o modulo elástico. As Figuras 3 e 4 apresentam os resultados das distribuições de tensão na ruptura e módulo elástico, respectivamente.
Figura 3: Distribuição normal das simulações no teste de tensão na ruptura
Fonte: Elaboração própria
Figura 4: Distribuição normal das simulações no teste de módulo elástico
Fonte: Elaboração própria
Como estas são análises tem como base variáveis pseudoaleatórias simuladas, pelo fato de a população amostral ser igual para ambos e os valores individuais obtidos a cada simulação diferentes, o coeficiente de variação (CV) é a medida de dispersão mais reveladora e apropriada a ser aplicada. É expresso como a razão do desvio padrão ?? pela média amostral µ.
Os resultados do coeficiente de variação em relação ao ensaio de tensão na ruptura apresentaram um coeficiente de variação de 28%, enquanto que a composição com 30% de resíduo apresentou um coeficiente de rendimento de 14%. Já no ensaio de módulo elástico, a composição de 20% apresentou um coeficiente de variação de 44%, enquanto que o resultado encontrado com a adição de 30% apresentou um coeficiente de 25%.
Tabela 3: Coeficientes de variação dos testes
Fonte: Elaboração própria
Como conclusão, pode-se dizer que, com maior confiabilidade nos resultados por meio das simulações, as soluções obtidas com os testes de tensão na ruptura com uso de 20% e 30% de resíduo foram aceitáveis. Há evidências probabilísticas de que a utilização de 20% de resíduos cerâmicos na composição de cimento Portland apresente melhores resultados no quesito de tensão na ruptura, porém com variabilidade acima do encontrado com a adição do 30%.
Isto revela que há uma incerteza maior de um resultado favorável ser alcançado. No módulo elástico, os resultados com melhores desfechos estão associados à adição de 30% de resíduo cerâmico. Os resultados corroboram, portanto, acerca do uso de 30% de resíduo de caco cerâmico em composições de cimento Portland, melhorando o desempenho físico e mecânico das composições.
Espera-se que o uso desta técnica para geração de resultados simulados ajude na obtenção de confiabilidade dos números das pesquisas de viabilidade mecânica, que não possuem tempo hábil para pesquisa e a análise de amostras o suficiente para obtenção de soluções ideais. Ainda, que o estudo auxilie na tomada de decisão quanto o uso dos resíduos como parte da matéria-prima de produtos, reduzindo o máximo de custo das empresas e contribuindo com a redução do impacto ambiental.
Referências
[2] LOPES, L. Gestão e gerenciamento integrados dos resíduos sólidos urbanos. Disponível em: file:///C:/Users/BEM%20VINDO/Downloads/DISSERTACAO_LUCIANA_LOPES.pdf Acesso em 05 de maio de 2018.
[4] ABETRE. Inovação e sustentabilidade na cadeia de valor. Disponível em: file:///C:/Users/BEM%20VINDO/Downloads/FGV%20-%20Residuos%20e%20pos-consumo%20-%202013.pdf Acesso em 15 de março de 2018.
[6] MEDEIROS, A. Reaproveitamento de resíduos cerâmicos no concreto do cimento Portland: Influencia nos traços e no comportamento mecânico. Dissertação 2016.
[7] ABNT NBR 8522. Concreto – Determinação do módulo estático de elasticidade à compressão. Rio de Janeiro: ABNT, 2008.
[8] ABNT NBR NM 65. Cimento portland – Determinação do tempo de pega. Rio de Janeiro: ABNT, 2004.