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Qual o efeito da água na qualidade do artefato de cimento?

Portal Itambé - 26 de julho de 2019 1323 Visualizações
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Blocos estruturais e artefatos que usam armadura de aço requerem maiores cuidados com a água. Crédito: Pinterest

A mesma atenção deve ser dada à água quando o assunto se refere a artefatos de cimento, principalmente para a produção de blocos de concreto estruturais e produtos que recebem armaduras de aço. Esses elementos precisam ter a qualidade da água controlada para que a fabricação atenda todos os requisitos de mercado.

Para responder qual o efeito da água na qualidade do concreto e dos artefatos de cimento, o gerente dos laboratórios da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland), Arnaldo Forti Battagin, e a superintendente do Comitê Brasileiro de Cimento, Concreto e Agregados (ABNT/CB-18), Inês Battagin, concederam a esclarecedora entrevista que pode ser lida a seguir:

Qual a importância da norma técnica ABNT NBR 15900 (Água para amassamento do concreto) para a qualidade dos artefatos de cimento?
A importância dessa norma é possibilitar a obtenção de produtos de qualidade. Diversas normas técnicas brasileiras relativas a artefatos de Cimento Portland, como blocos de concreto, peças para pavimentação intertravada, tubos e aduelas de concreto, galerias celulares, poços de visita e inspeção para linhas de saneamento e postes para linhas de distribuição e transmissão de energia elétrica, já trazem a exigência direta de atendimento à ABNT NBR 15900-1 ao especificarem os requisitos para a água a ser utilizada em sua fabricação. Em outros casos, essa referência é feita de forma indireta, sendo indicada a ABNT NBR 12655 (Concreto de Cimento Portland – Preparo, controle, recebimento e aceitação) para consulta e atendimento com relação aos materiais que devem ser usados na preparação do concreto, uma vez que a água está no rol dos materiais empregados, e a ABNT NBR 12655 já faz referência à ABNT NBR 15900-1.

Que tipos de contaminantes presentes na água de amassamento podem ser mais nocivos ao concreto usado na produção de artefatos?
De forma análoga ao que ocorre com os agregados minerais, em que a presença de contaminantes, em teores que ultrapassem determinados limites, pode trazer alterações no comportamento mecânico e reológico do concreto, assim também ocorre com a água de amassamento. Açúcares, fosfatos, nitratos, chumbo e zinco são exemplos de contaminantes que podem aparecer dissolvidos na água e alterar o tempo de pega e a resistência do concreto, se em teores maiores do que os aceitáveis, prejudicando a fabricação de artefatos e seu desempenho em serviço. Esses limites aparecem claramente definidos na norma. O meio técnico, já acostumado a utilizar materiais normalizados na preparação dos compósitos à base de Cimento Portland, passou a contar, a partir de 2009, com uma norma que possibilita conhecer e controlar a água proveniente de diferentes fontes, além daquela distribuída pelas redes de abastecimento público, podendo inclusive aproveitar água de chuva ou recuperada do próprio processo produtivo.

Existem tipos de água recomendadas e não-recomendadas?
Como mencionado, a ABNT NBR 15900-1 estabelece requisitos para que a água proveniente de diferentes fontes possa ser utilizada. Para facilitar a escolha da água a ser usada, a norma parte da premissa de que, se a água for potável, seu uso está liberado para a preparação de concreto. Em outro extremo, a norma não libera o uso de água de esgoto ou proveniente de estações de tratamento de esgoto, por entender que não se tem parâmetros confiáveis para sua avaliação. No caso de lagos, rios, poços e outras fontes de águas superficiais ou submersas, devem ser realizados ensaios de caracterização química da água, de forma a comprovar os requisitos exigidos na norma. Águas recuperadas de processos industriais, como preparação de concreto, lavagem de caminhões-betoneira, jateamento para corte de concreto e similares, podem ser usadas, desde que aprovadas em ensaios específicos, além dos previstos para as fontes primárias.

Qual o risco quando se usa uma água não-recomendada na produção de artefatos de cimento?
Ter problemas de reologia do compósito de cimento utilizado (concreto, argamassa, pasta), com alterações no tempo de pega e crescimento da resistência aquém do esperado, exigindo maior tempo de cura (uso das câmaras de cura das fábricas por período maior do que o previsto), dificuldades no manuseio dos produtos e na obtenção da resistência especificada para venda/despacho dos produtos. Em médio ou longo prazos, podem ainda surgir manifestações patológicas, comprometendo a durabilidade do bem construído.

Entre água do mar, água de rios e córregos poluídos e água da chuva, qual é a mais danosa para a produção de artefatos?
Depende do tipo de artefato produzido. Quando se tem armaduras de aço com função estrutural, como no caso de postes ou tubos de concreto, a ação da água do mar e também de águas poluídas pode comprometer a vida útil prevista, devido a processos de corrosão das armaduras com consequente perda da seção das armaduras. A água de chuva pode ser ácida nas grandes cidades, por dissolver o gás carbônico e outros gases da atmosfera urbana, principalmente quando há aumento na concentração de óxidos de enxofre e nitrogênio. As águas ácidas não são adequadas para a preparação de artefatos ou elementos estruturais armados ou protendidos, pois a passivação das armaduras apenas é possível em ambiente interno alcalino. No caso de artefatos sem elementos metálicos em seu interior, como blocos de concreto e peças para pavimentação intertravada, ficam eliminadas as preocupações com a corrosão, mas por outro lado a acidez dessas águas pode ser suficiente para degradar a pasta. Em todos os casos deve-se garantir que os contaminantes presentes na água não interfiram na cinética de hidratação do Cimento Portland, de forma a não minorar o desenvolvimento de resistência mecânica dos compostos de cimento, e não reajam com os constituintes do concreto ou argamassa, evitando manifestações patológicas ao longo do tempo, desencadeadas ou aceleradas por processos expansivos ou degenerativos, por exemplo. Para tal, para garantia da durabilidade a norma estabelece limites máximos para teores de álcalis, sulfatos e cloretos.

A água a ser utilizada na fabricação de blocos de concreto estruturais não pode conter substâncias que alterem a reologia do concreto

É possível fazer a reutilização da água para a produção de artefatos? Neste caso, quais os cuidados?
Sim, é possível. O anexo A da ABNT NBR 15900-1 trata desse tema, informando que tipo de água pode ser reutilizada e como avaliar sua qualidade para o uso em concreto. De forma geral, para os artefatos valem os mesmos requisitos estabelecidos para a água destinada à preparação de concreto, ou seja, além do cumprimento das demais exigências estabelecidas na norma, deve ser avaliado se o teor de material sólido em suspensão que será adicionado à mistura interfere ou não no desempenho esperado.

E em caso de blocos de concreto estruturais, o que se recomenda em relação à água?
A água a ser utilizada na fabricação de blocos de concreto estruturais não pode conter substâncias que alterem a reologia do concreto em teores que sejam suficientes para prejudicar o desempenho mecânico do bloco. Além do cumprimento dos valores de resistência característica à compressão, exigidos pela ABNT NBR 6136:2016 (Blocos vazados de concreto simples para alvenaria – Requisitos), deve-se considerar também o fluxo de produção, para não limitar ou dificultar o processo produtivo devido a períodos maiores de cura ou limitações na movimentação das peças, em função de desenvolvimento mais lento da resistência. A avaliação da água pode ser feita a partir da limitação do teor desses contaminantes, como previsto na ABNT NBR 15900-1, realizando ensaios químicos para sua quantificação de acordo com as partes específicas dessa norma, em amostras coletadas conforme a Parte 2 (ABNT NBR 15900-2). Outra possibilidade é realizar a avaliação a partir do desempenho comparativo, em ensaios de tempo de pega de pasta de cimento e resistência à compressão de corpos de prova de concreto ou argamassa, a partir de misturas preparadas com a água em análise e, paralelamente, com água de laboratório (destilada ou deionizada). A ABNT NBR 15900-1 estabelece os limites aceitáveis para as diferenças entre os resultados desses ensaios.

A quem cabe o controle da água usada nas fábricas de artefatos?
Certamente ao produtor dos artefatos, que escolhe e administra a aquisição de todos os insumos que entram na fabricação de seus produtos.

A ABNT NBR 15900 (Água para amassamento do concreto) está completando 10 anos desde a sua mais recente publicação. Existe alguma previsão de que ela passe por um novo processo de revisão?
Essa norma teve como inspiração inicial a norma internacional ISO 12439 (Mixing water for concrete), mas foi além da proposta internacional, tendo estabelecido toda a metodologia de ensaios e o procedimento de coleta para a obtenção das amostras de água a serem ensaiadas. A ISO 12439 foi publicada em 2009 e revisada em 2015, sendo incorporadas, nessa revisão, referências a métodos de ensaios para avaliação de amostras de água. A ABNT NBR 15900, composta de 11 Partes, e já contemplando essa metodologia de ensaios desde sua criação em 2009, foi confirmada em 2014 e novamente em 2018, sem ter recebido sugestões de alteração para seu aprimoramento.

A ABNT NBR 15900 (Água para amassamento do concreto) é uma evolução que complementa outras normas?
O trabalho de elaboração da ABNT NBR 15900 veio preencher uma lacuna que durante décadas permeou a normalização brasileira. De fato, a norma brasileira de cálculo e execução de estruturas de concreto (NB-1:1978), hoje ABNT NBR 6118, pela ausência de informações em outro documento normativo, trazia em seu texto alguns requisitos para a água destinada à preparação do concreto. Com a revisão dessa norma e a divisão de seu conteúdo, ela passou a referenciar a ABNT NBR 12654 (Controle tecnológico dos materiais constituintes do concreto, atualmente cancelada) e essa, por sua vez, referenciava a ABNT NBR 12655 (Concreto de Cimento Portland – Preparo, controle, recebimento e aceitação), que fechava o círculo indicando a ABNT NBR 6118 (atualmente, Projeto de estruturas de concreto).

Entrevistados
– Geólogo Arnaldo Forti Battagin, gerente dos laboratórios da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland) e representante da ABCP nas comissões de estudos de normalização da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
– Engenheira civil Inês Laranjeira da Silva Battagin, superintendente do ABNT/CB-018 (Comitê Brasileiro de Cimento, Concreto e Agregados).