Como conciliar crescimento econômico e inclusão social nas cidades?
As cidades que habitamos são, hoje, cindidas. Ao lado da cidade formal, que se desenvolve nas regiões centrais e obedece aos padrões e normas legais, cresce a informal, não planejada e de ocupação precária. Esta porção é, por muitos motivos, palco de conflitos das mais diferentes naturezas. E é exatamente por isso - os conflitos que precisam ser resolvidos - que a cidade informal é um terreno fértil para a inovação e para os novos negócios.
Como surgiram as favelas no Brasil? (Foto: Getty Images)
Essa constatação tem resultado no surgimento de várias iniciativas que, inclusive, se valem do capital humano encontrado nessas regiões. Elas provam que, por meio do empreendedorismo e da inovação, é possível conciliar crescimento econômico e inclusão social. Arquitetos e urbanistas, cada vez mais, devem aprender a lidar com esse cenário em sua formação e sua prática.
Fundada em 2004, a Artemisia é uma organização sem fins lucrativos que identifica e fomenta negócios de impacto social no Brasil. Em 13 de agosto, a ONG lançou a
Tese de impacto social em habitação, um longo estudo que mapeia quais são os desafios em habitação que as populações em vulnerabilidade econômica brasileiras enfrentam. Baseando-se nesses dados, o órgão pretende identificar e apresentar negócios de impacto sobre essas demandas.
De acordo com os autores da tese, hoje a oferta de dados é grande, porém boa parte está desatualizada ou se refere a regiões específicas, oferecendo um quadro limitado dos problemas de moradia no país. Esse documento, que ainda está em construção e pode ser atualizado, procura suprir essa lacuna apresentando um olhar abrangente sobre o tema.
Para identificar o contexto da moradia no país, o estudo parte das seguintes perguntas: quais as necessidades da população mais pobre? Que tipo de ação supre essas demandas? Qual a situação das empresas – e do mercado –, das políticas públicas e dos programas governamentais voltados para esse setor?
O foco da investigação é a população de baixa renda: 112,4 milhões de pessoas, 60% da população brasileira. A pesquisa não se dirige à academia, mas para empresas que tenham um perfil ético e responsável, cujas iniciativas de impacto social não sejam meramente acessórias, mas sua atividade principal.
As ações listadasna tese buscam diminuir custos de transação, possibilitar o aumento da renda dessa população e promover o desenvolvimento das regiões focalizadas, reduzindo a condição de insegurança social e promovendo a cidadania. Inovações voltadas para o fomento à economia circular – sustentável e baseada na reciclagem —, à locação social e à diminuição das assimetrias urbanas são alguns exemplos desses empreendimentos.
Uma reflexão a ser feita são as permanentes mudanças às quais a questão habitacional está sujeita, pois ela é objeto constante de novas leis e políticas. Um mesmo modelo de negócio, no entanto, pode ser adaptado de acordo com os instrumentos urbanísticos e com a legislação de cada município. Por outro lado, os custos de investimento também representam um entrave: o mercado imobiliário é caro, já que os ativos são físicos. Mesmo assim, a habitação é o sexto setor que mais recebe investimentos no mundo, ainda que seu crescimento se dê lentamente.
Um aspecto fundamental da abordagem adotada pelo estudo é o de que não se pode separar moradia de urbanização. Outros setores da esfera pública condicionam diretamente a qualidade da organização de uma cidade. O esforço a ser feito em habitação é essencialmente, como dito por um especialista em entrevista para a Artemisia, o de “levar cidade para as pessoas e [...] pessoas para a cidade”. A falta de acesso à educação, saúde ou lazer configura diferentes tipos de vulnerabilidade. Essa complexidade exige cooperação entre o poder público, setor privado e sociedade civil.
Entre o amplo leque de empreendimentos que o setor habitacional propicia, estão oportunidades como facilitação de crédito, regularização fundiária, serviços de assistência técnica e reformas, aplicativos de gestão de condomínios em habitações sociais e abertura de empresas especializadas em serviços básicos – como água, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo. Tudo isso se relaciona com a qualificação dos espaços públicos, a capacitação de profissionais, e inovações em processos e materiais da construção civil.
A Tese de impacto social em habitação deixa claro que a cidade informal não pode esquecida. Não apenas por uma questão de justiça social, mas também porque a negligência resulta em prejuízo econômico e mais pobreza. Os territórios informais carregam consigo grandes oportunidades de negócio, e é imperativo que urbanistas e arquitetos desenvolvam competências para aproveitá-las. Em um país desigual e em crise, a questão da moradia exige soluções urgentes e inteligentes, além de se revelar um campo vasto para investidores e empreendedores.