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Consequências da reforma tributária para energia renovável

Lucas Moraes - Jornal do Commercio - 08 de novembro de 2019 1073 Visualizações
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Proposta de cobrança de royalties na  geração eólica e solar de grande escala pode encarecer custo da energia / Foto: Divulgação

Uma reforma tributária para o setor de energia renovável é a síntese do que diferentes projetos defendem para garantir mais recursos a Estados do Nordeste a partir da geração das fontes solar e eólica. Embora ainda estejam em fases embrionárias, as propostas já despertam um debate acalorado entre os principais players e empresários do setor elétrico e políticos, visto que abrangem desde a reestruturação da cobrança do ICMS até novas taxações, como a aplicação de royalties.

No caso da reestruturação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), uma proposta do senador Jean-Paul Prates (PT-RN) tenta fazer justiça à região que abriga o maior número de parques do País. Hoje, mesmo sendo mais atrativos para a instalação desses tipos de empreendimentos, os Estados nordestinos acabam arrecadando menos do que regiões que têm uma representatividade praticamente nula na geração de energia a partir das fontes renováveis limpas.

Vice-presidente da World Wind Energy Association (WWEA), o professor Everaldo Feitosa é um dos entusiastas da maior contribuição desses empreendimentos aos locais onde estão sendo instalados. “O Nordeste sedia e continuará sediando 100% dos projetos de energia do País. São investimentos de mais de R$ 10 bilhões anualmente. É evidente que os Estados e municípios teriam que ter algum tipo de contribuição para infraestrutura e melhoria de certos aspectos, porque às vezes eles não têm recursos nem para fazer um plano diretor”, afirma.

Na geração centralizada solar, dos nove Estados com maior capacidade instalada, pelo menos seis estão no Nordeste. Já na eólica, dos 12 principais Estados produtores, oito são nordestinos. Entre as postulações de Feitosa para ajudar os Estados da região, está a modificação da forma como hoje é recolhido o ICMS (assim como a proposta em tramitação no Congresso) ou criação de um fundo de investimento que destine o crédito mediante aplicações em infraestrutura, educação e saúde na região, sem custo adicional ao consumidor.

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“Qualquer taxa ou imposto adicional onera o consumidor final, que vai pagar a mais por isso. Esse debate é ainda muito novo, mas no próximo dia 26 estaremos recebendo representantes de todos os Estados do Nordeste, com o objetivo de elaborar um documento com proposições para favorecer essa mudança”, explica, em referência à 18ª World Wind Energy Conference, que acontece entre os dias 25 e 27 de novembro, pela primeira vez no Brasil, no Rio de Janeiro.

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Em relação ao ICMS, o problema hoje se dá porque, na forma como foi estabelecida a cobrança pela Constituição de 1988, a arrecadação acaba sendo dividida entre o Estado de origem e destino, no caso dos equipamentos fornecidos para instalação dos parques, ou, no caso da incidência do imposto sobre a energia gerada, a tributação se dá só na hora do consumo. Ou seja, independentemente da quantidade de energia produzida em território nordestino, são os Estados com maior número de indústrias ou potencial de consumo que arrecadam mais, conforme as alíquotas estabelecidas.

Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), na região Nordeste, a arrecadação de ICMS oriunda da geração de energia elétrica (sem restrição de fonte) foi de R$ 7,8 bilhões entre os meses de janeiro e setembro deste ano. No mesmo período, o Sudeste arrecadou R$ 19,8 bilhões. Mesmo reconhecendo uma distorção originada pelo modelo de cobrança, a própria Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) reforça cautela com o tema, para que a boa intenção para com a arrecadação estadual não acabe prejudicando o desenvolvimento e atração de novos investimentos do tipo ao Nordeste.

“De fato, o recolhimento acontece no local do consumo, mas de qualquer forma as usinas eólicas e fotovoltaicas pagam ICMS sobre equipamento, e isso vai ser pago no local em que elas foram construídas. Então, existe aqui um fator muito mais completo, digamos assim, do que a visão de dizer que a arrecadação é feita em sua maioria no Sudeste. Existe a arrecadação sobre a cadeia produtiva, e a própria construção do empreendimento gera efeito de criação de emprego e renda no local onde vai se construir, revertendo-se em movimentação da economia local, que por sua vez se reverte em mais arrecadação tributária para os Estados onde os empreendimentos estão localizados”, detalha a vice-presidente da Absolar, Bárbara Rubim.

Na visão do advogado e professor de Direito Tributário da UFPE Eric Castro e Silva, tentar reverter essa lógica do ICMS iria de encontro à própria Constituição e ao que os mais recentes projetos de reforma tributária indicavam como caminho assertivo.

“É uma mudança muito grande da própria Constituição. Para alguns bens essenciais, como petróleo e combustível, a Constituição determinou a arrecadação do ICMS no destino, porque senão ia privilegiar muito os Estados produtores, que são poucos no Brasil. Essa proposta quer justamente inverter em relação à eletricidade, para que fique com os Estados produtores do Nordeste. Tem que se pensar sobre o aspecto nacional, não sobre o aspecto local. Durante 30 anos da Constituição de 88, a gente defendeu que o ICMS sobre petróleo fosse no destino e não na origem, porque Pernambuco não produz uma gota de petróleo, mas agora são dois pesos e duas medidas?”, questiona Castro e Silva.

ROYALTIES
Ainda mais polêmica do que a mudança na forma de cobrança do ICMS, uma proposta de autoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI) pode elevar o custo da energia comprada pelo governo das fontes eólica e solar ao acrescentar o pagamento de royalties aos Estados produtores.

“Consideramos bastante legítimo que os Estados busquem alternativas de resolverem seus problemas fiscais, mas a forma de resolver é fazer a melhor gestão desses recursos, trabalhando com eficiência. Esse é o primeiro ponto. Agora uma coisa que é muito importante saber é que o consumidor brasileiro não suporta mais pagar tanto pela tarifa de energia. O Brasil tem o custo mais barato de geração, mas entrega para o consumidor uma das energias mais caras do mundo, atrapalhando inclusive a competitividade da indústria e exportação”, reclama a presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEolica), Elbia Gannoun.

Para ela, pelo fato do Brasil ter uma série de recursos como fonte para produção de energia elétrica, “se taxar vento e sol, os investimento vão para outras lugares”, e o Nordeste pode acabar perdendo o potencial que hoje o diferencia. “É absurdo. (cobrança de royalties). Seria comparar à cobrança pelo uso do sol na agricultura ou no turismo. É uma medida extremamente descabida para o futuro do setor elétrico e pode ter uma consequência muito grave de afugentar investimento para os Estados produtores”, acrescenta Bárbara Rubim.

A reversão da cobrança do ICMS tramita no Senado como uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do senador Jean-Paul Prates (PT-RN). Procurada pela reportagem, a assessoria do parlamentar não deu retorno sobre o pedido de entrevista. O senador Marcelo Castro (MDB-PI), que propõe a cobrança de royalties, alegou estar indisponível para entrevista até o fechamento desta edição.

No âmbito da Aneel, a agência garante não existir nenhuma proposta ou projeto relacionado à tributação da geração em grande escala. Assim como no Estado de Pernambuco e no Comitê Nacional de secretários da Fazenda. “Não tem esse debate. Pelo contrário, a gente defende apenas a desoneração. Não debate nenhuma tributação de energia solar e eólica. O que estamos debatendo é ampliar o conceito do que não deve ser tributado, expandindo isso para além do alto consumidor”, assegura o secretário da Fazenda do Estado, Décio Padilha.