Impasse entre mineração e preservação ambiental
Do ponto de vista da engenharia, já existem no mercado técnicas de beneficiamento mineral que não utilizam as barragens de rejeitos (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
O rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho evidenciaram que a sustentabilidade e a gestão responsável e efetiva devem ser vistas como prioridades no setor de mineração. Evidenciaram ainda a grande necessidade de mudar padrões tanto legais quanto técnicos.
Os danos ao meio ambiente são incalculáveis, muitos mortos e um passivo social ainda em avaliação pelo poder público. Ações que se arrastam na justiça sem uma possível solução a curto prazo. Órgãos do Executivo, Legislativo e Judiciário em conflito na busca de responsáveis e indenizações. Este foi o legado deixado pela negligência das empresas do setor mineral que não quiseram tratar adequadamente os rejeitos da mineração e pelo Poder Público que não cumpriu com o seu dever de fiscalizar.
O setor terá que passar por uma reformulação em toda a sua cadeia produtiva principalmente na gestão dos resíduos que não podem mais ser depositados em barragens. Mesmo que consideradas mais onerosas, as novas tecnologias de tratamento dos resíduos devem ser de adoção compulsória. Os fins não podem ser justificativos para meios ambientalmente e socialmente inadequados.
Do ponto de vista jurídico o que se busca como cenário ideal para os temas ambientais é uma uniformização de critérios relativos às ações de reparação por danos ao meio ambiente, bem como agilizar a resolução das ações judiciais e compensar os cidadãos e o meio ambiente de forma rápida, justa e eficaz.
A avaliação que pode ser feita é de que uma atuação efetiva, equânime, justa e que coíba as práticas danosas ao meio ambiente é o modelo adequado a ser perseguido. A criação de varas especializadas para o julgamento das ações ambientais é o que se mostra mais razoável e que trará maior segurança jurídica.
O Judiciário e o Poder Público devem atuar na busca da mudança de padrões adotados pelas empresas, de forma que elas não incorporem os riscos da atividade como um custo e perpetuem condutas danosas ao meio ambiente. Em decorrência desta nova concepção, a interpretação que deve ser extraída das competências federativas, logicamente, não deve ambicionar uma rigidez absoluta dos papéis desempenhados pelos entes federados. Os poderes das entidades federadas, nesta linha, não podem ser menosprezados, porém a distribuição das competências deve atender aos valores fundamentais postulados no texto constitucional de forma clara e precisa.
Tanto a Justiça federal, quanto a estadual ainda não possuem um padrão de julgamento, adotando teorias, princípios e conceitos diversos em cada caso julgado. A ausência de uma uniformidade nos julgamentos resulta em grande insegurança jurídica e na remessa de autos de uma Justiça para outra, causando um prolongamento desnecessário dos julgamentos e na agravação dos danos ambientais.
Do ponto de vista da engenharia, já existem no mercado técnicas de beneficiamento mineral que não utilizam as barragens de rejeitos, consideradas as grandes vilãs e responsáveis pelas maiores tragédias ambientais do país. Mesmo que mais onerosa em um primeiro momento as tecnologias alternativas se tornam adequadas e econômicas se analisarmos todos os custos envolvidos com o rompimento de uma barragem e com a recomposição dos danos ambientais. Entre as alternativas disponíveis em substituição às barragens de rejeitos podemos mencionar:
- Armazenagem a seco de rejeitos minerais (tecnologia de disposição de rejeito a seco - dry stacking): Esta técnica consiste num processo de filtragem e secagem dos rejeitos que ficam armazenados em silos ou pilhas. Técnica de custo elevado e que requer grandes espaços para armazenar os resíduos que podem ou não ser reaproveitados para outras finalidades como a fabricação de tijolos. Vale destacar que o processo do beneficiamento do minério utiliza grande quantidade de água e esta técnica se difere da tradicional apenas na secagem dos rejeitos que seriam depositados nas barragens. Causa grande impacto ambiental, pois os rejeitos secos formam grandes pilhas de poluentes que se espalham facilmente pelo ambiente através do ar. Como vantagem destacamos a possibilidade de reaproveitamento de até 95% da água utilizada no beneficiamento do minério e também permite que as áreas tratadas recuperem sua fauna e flora nativa.
- Beneficiamento a seco do minério de ferro: Consiste no processamento do minério de ferro sem utilização de água e neste processo utiliza-se a própria umidade do material que passa por várias etapas de britagem e peneiramento. Os rejeitos são secos e armazenados em pilhas, silos ou utilizados para outros fins. As barragens são inexistentes e desnecessárias. Como vantagem, além da economia de água, este método preserva as partículas mais finas de minério que seriam descartadas nas barragens e que passam a fazer parte do processo e se tornam lucro para a empresa. É o modelo utilizado pela Vale S/A em sua planta S11D em Carajás/PA.
Do ponto de vista econômico, mineração é uma atividade muito lesiva ao meio ambiente, mas de suma importância para o desenvolvimento econômico e social das nações. Muitos produtos que estão em todas as casas tem como matéria prima o minério de ferro e vários outros minerais. Não podemos sobreviver sem a mineração, e é por este motivo que a atividade de extração mineral deve seguir rigorosos padrões de sustentabilidade que conciliem a extração mineral com a mínima agressão ao meio ambiente
Uma tendência em curso nos mercados financeiros globais pode ser sintetizada através das políticas de investimento do maior fundo global de investimentos do mundo, o Black Rock¹. Investimentos em empresas ou projetos que não tenham governança, compliance e não sejam sustentáveis sob o ponto de vista ambiental são simplesmente vetados. Embora neste ano de 2019, no mercado de capitais global, um percentual ainda muito significativo de operações de financiamento esteja relacionado a projetos e indústrias não amigáveis ao meio ambiente, a tendência é que, por razões de mercado que não podem ser desconectadas de percepções e demandas de stakeholders importantes (sociedade, consumidores, academia, classes políticas dirigentes, etc) e à própria exigência de maximização de riquezas para os acionistas dos projetos de mineração, ao longo do tempo e de forma inexorável, somente projetos eticamente e moralmente sustentáveis obtenham apoio de investidores.
A solução do impasse entre mineração e preservação ambiental deve ser, portanto, necessariamente transdisciplinar. São ações e processos independentes. Mas por mais paradoxal que possa parecer, é justamente trabalhando a interdependência e a forte correlação entre as dimensões legal, tecnológica e econômico/ financeira que poderemos consolidar caminhos. O advento das mídias sociais provavelmente será um catalizador determinante para dar a aceleração necessária a este processo.
¹BlackRock’s Message: Contribute to Society, or Risk Losing Our Support. By Andrew Ross Sorkin Jan. 15, 2018. A version of this article appears in print on January 16, 2018, on Page B1 of the New York edition with the headline: A Demand For Change Backed Up By $6 Trillion
* Professor da EMGE
** Doutoranda da Dom Helder