Quem criou o “piso paulista”, a tradicional calçada de São Paulo?
Contornos que representam o mapa do estado de São Paulo, em um formato geométrico que passou a simbolizar a cidade paulistana a partir de suas calçadas. Você sabia que uma artista e arquiteta foi a criadora deste símbolo? Tudo começou em um concurso cultural, em 1965, para a escolha daquele que seria o padrão das calçadas paulistanas. Mirthes Bernardes, na época desenhista da Secretaria de Obras, entrou no concurso, mas não imaginava que logo o seu desenho seria o eleito como ganhador.
Mirthes considerava simples o esboço que tinha feito, e não imaginava que ficaria entre os quatro finalistas. A votação final seria feita após a aplicação dos desenhos nos ladrilhos da Av. Consolação. A criação de Mirthes concorria com um desenho de grãos de café e outro que representava pés caminhando. “Foi uma festa com meus colegas. Concorri e trabalhava com arquitetos. Foi muito legal, fiquei feliz”, disse em entrevista ao blog Perfis Paulistanos.
Mesmo não tendo a pretensão de ganhar o concurso, para a criação Mirthes tinha se inspirado em um símbolo bastante famoso: as ondas do calçadão de Copacabana. Sem copiar a ideia, a inspiração fez com que contornos simples passassem a representar a capital paulistana, assim como havia sido no Rio de Janeiro. E o símbolo não se restringiu apenas ao calçamento da cidade, mas ao longo dos anos chegou aos souvenirs, propagandas e até aos chinelos.
O “piso paulista”, como ficou conhecido este calçamento, chegou primeiro à Av. Faria Lima, depois na Av. Amaral Gurgel e até na tradicional esquina da Av. Ipiranga com a Av. São João. Hoje, entretanto, os tradicionais ladrilhos aos poucos estão sumindo das calçadas paulistanas, sendo substituídos por concreto, cinza, não mais com o símbolo tão tradicional da cidade.
O reconhecimento da artista
Mirthes, mesmo com a representatividade que o desenho ganhou, após ter vencido o concurso não recebeu valores ou direitos pela criação. Os anos se passaram e a artista continuou lutando pelo reconhecimento, mas não disfarça o desapontamento por não ter alcançado este objetivo e por ver a cada dia a substituição dos ladrilhos com seu desenho nas calçadas paulistanas. “Qualquer piso desses que está aí em São Paulo está esculhambado. Vão passando por cima, vão tapando buracos ao invés de restaurar”, disse em entrevista à Folha de S. Paulo.
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress
A arquiteta e artista já passou dos 80 anos e permanece desenvolvendo trabalhos artísticos, com cobre e esmalte. Seu engajamento sempre esteve presente nos trabalhos que desenvolvia, incluindo a Fundação Casa e a Secretaria de Cultura do Estado. Tudo isso em paralelo à arte.
Apesar de não guardar objetos que remetam ao símbolo, a matéria publicada no jornal “Diário da Noite”, seis anos após o concurso, ainda está em uma pasta da artista. A matéria conta a história do concurso e de Mirthes, a ganhadora – história essa que foi adaptada para atualidade através até mesmo de enredo de escola de samba, sendo o tema da Mocidade Alegre, no desfile em 2007, em São Paulo.
Patrimônio histórico?
As calçadas na cidade de São Paulo, conforme a possibilidade de que cada morador e comerciante cuide do seu pedacinho de calçamento, se tornaram desiguais e, na maioria dos exemplos, mal conservadas. A troca do “piso paulista” pela calçada de concreto é justificada pela Prefeitura como um modo de aumentar a drenagem.
O fato de não ser tombado faz com que os ladrilhos possam ser substituídos facilmente, o que leva à defesa por especialistas de que a solução seria a consideração dos ladrilhos como patrimônio histórico, ou que ao menos houvesse a mudança quanto a quem cabe a responsabilidade pelas calçadas, retornando então ao município.
Até que mudanças sejam feitas, o incentivo a que os paulistanos conheçam o trabalho da artista Mirthes Bernardes chegou até a exposição que está em cartaz em exposição “São Paulo Não É Uma Cidade”, no recém-inaugurado SESC 24 de Maio, chamando a atenção do público para o trabalho e a contribuição à cidade.
Imagem: Caos Planejado
Vale a pena conferir e reconhecer o símbolo paulistano em nossas calçadas e objetos representativos!